sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

LUA E OS MOSQUITOS DA TIA CRIS




Havia uma dúvida no ar: será que a Lua sabia mesmo escrever? Como então sabia ler? Essa questão inquietava a Pipoca, e piorara desde que o caso do Tiririca veio à baila. A amarela tinha pavor de falcatruas! Em algumas ocasiões a Lua fizera trejeitos de que estava anotando coisas, mas ninguém havia visto qualquer letrinha dessas! O Pingo tinha certeza que ela não escrevia e nem lia, que era tudo encenação, mas certeza ninguém tinha. Pipoca estava a pensar nisso quando ouviu

Lá lá lá lou
A Zambézia acabou!
Pra casa da Tia Cris
Eu vou! Eu vou! Eu vou!

Era a Lua cantando enquanto juntava suas figurinhas de pães de queijo. Ela tinha a maior coleção de fotos deles. Pipoca se aproximou e perguntou de repente:
- Lua! Você sabe ou não escrever?
- Ué, Pipoca! Claro que sei – respondeu a branquinha.
- O Pingo jura que você não sabe!
- Mas eu sei sim. Só que não consigo segurar o lápis na patinha.
- Nenhum de nós consegue! – respondeu a Pipoca.
- Pois é! Então por que você perguntou se todos somos assim ?
- Sei lá! Bobeira, falou a Pipoca. – Mas você está fazendo o quê?
- Pegando as minhas figurinhas de pães de queijo e guardando porque agora tenho que preparar a minha aula, disse a Lua.
- Aula? Que aula? Novamente a escola? – perguntou a Pipoca, já antevendo problemas com os demais cães.
- É uma aula muuuuito especial e em homenagem a minha Tia Cris – disse a Lua.
- Como assim?
- Simples! Vou explicar a origem dos mosquitos, falou a branquinha.
- E o que a Tia Cris tem a ver com mosquitos, Lua?
- Ela tem tuuuudo a ver. Lá na casa dela tem penudos – que eu vi – e eles gostam de comer mosquinhas e mosquitinhos.
- E daí?
- Daí que vou contar de onde saem os mosquitinhos que a Tia Cris serve para os penudos, disse a Lua.
- Lua. Pelos deuses caninos! Pare com essa história abestalhada! A Tia Cris não serve nenhum mosquitinho pra penudo algum! Ela serve comidinhas ...
- .... mosquinhas e mosquitinhos! É sim! É!!!!! – choramingou a Lua
A Pipoca não podia ver o focinho choroso da Lua! Isso não!
- Tá certo, Lua! Tá certo! – respodeu a amarelinha. A Tia Cris vai entender! – pensou.
- Então Pipoca, chame todo mundo porque a aula vai começar logo que eu guardar as minhas figurinhas. Obaaaaaaaaaaaaaaaaa.
Pipoca coçou a orelha direita e depois a esquerda enquanto pensava como faria para que os demais cachorros entrassem nessa aula! Aí teve uma idéia.
- Matilhaaaaa – gritou a Pipoca. – Venham todos! Tem coisas aqui!!!
Em menos de alguns segundos já estavam todos lá: Chiquinha, Pingo, Azeitona, tio Chicão e Jujuba ajeitando seu boné e franzindo o focinho, e como sempre foi a primeira a perguntar:
- Que aconteceu? Por que interromperam meu sono? Que coisas?????
- Matilha. A Lua vai contar uma historinha e ....
- Nem pensar! Respondeu a Jujuba. – Ela de novo com essa mania de escola? Pensa que a gente é o quê, hein? Fica sempre perguntando ... perguntando ... – Se isso é a tal “coisa” .... deixa pra lá!
- Jujuba, disse a Pipoca, não custa nada ajudar. Ela ainda é filhote e precisa se ocupar de alguma coisa que não seja fuçar onde não deve! Lembre-se que a mamãe está saindo da tal tese sobre a Zambézia muito cansada. Um pouco de boa vontade cai bem, não é?
- É isso mesmo, disse o Pingo. – E no final sempre sobra um tantinho de comidas e a gente se diverte com ela.
- Certíssimo, menino Pingo, disse tio Chicão. – A menina Lua precisa mesmo de incentivos culturais! Chame-a, garota Pipoca.
- Luaaaaaa. Pode vir! – gritou a Pipoca.
- Chamaram? É mesmo? Todo mundo veio pra saber dos mosquitos da Tia Cris? – falou a branquinha.
- E isso agora? O que tem a ver a Tia Cris com mosquitos .... ??? – falou a Jujuba
- Tudo! Tudinho! A Tia Cris tem mosquitinhos pros penudos e eu sei de onde ela busca os mosquitinhos! Sei sim! – falou a Lua.
- Minha nossa! – exclamou o Pingo. – Agora ela exagerou!
- Lua, falou a Chiquinha – que é isso? Onde já se viu falar isso da Tia Cris? Mosquitos são nocivos à saúde e ....
- .... e são comidas de penudos! Fazem parte da cadeia alimentar – disse a Lua.
- Cadeia alimentar? Desde quando se prende comida? – perguntou Jujuba. – Tem penitenciária pra salsicha? Cela pro macarrrão? Revista das roupas do coxão mole? Habeas corpus pras nozes serem abertas? E o descaroçador de azeitonas é pra torturar? E falou olhando pra Azeitona! Que perigo de idéia!
- Juju, às vezes você me espanta! Cadeia alimentar é o ciclo de alimentação de todos os seres vivos. Um alimenta o outro, não é tio Chicão? - perguntou a Lua.
- Certíssimo, menina Lua – exclamou tio Chicão, surpreso pelas palavras da cadelinha. – E de onde a menina tirou tanto saber?
- Dos livros. Sempre dos livros. A mamãe e o papai têm muuuuuitos livros! – Tem sim! E euzinha – que sei ler – pego alguns deles e leio tudinho! - respondeu a branquinha.
- Pois bem! Vamos sentar em roda pra Lua poder contar a tal história mosquital! – falou a Azeitona.
Todos em círculo, cada um procurando a melhor posição e a Lua começou.
- Houve um tempo em que os homens falavam com as árvores, com os animais e até mesmo com a água e a terra. Todos se entendiam e se ajudavam. Mas tinha os espíritos. E tinha espírito bom ...
... anjinhos? – perguntou o Pingo
- .... sim. Anjinhos, anjos e anjões, respondeu a Lua. – Mas tinha os diabinhos também! Esses eram terríveis e faziam coisas feias...
- Que coisas feias? – perguntou a Azeitona.
- Coisas como roubar os claclás dos outros, comer os pães de queijo que não são seus, mostrar pro papai onde se escondeu o shampu canino .... coisas assim! – disse a Jujuba.
- Certo, Juju – disse a Lua. – E essas coisas feias também podiam ser enganar as pessoas.
- Pessoas são enganadas com facilidade, disse a Lulu, que chegava sempre sem avisar, de patas dadas com o Kousky. Agora estavam inseparáveis.
- Oi Lulu. Oi Kousky. Sentem-se aí, disse a Chiquinha. – A Lua está contando uma historinha ...
- Tentando! Estou tentando! – resmungou a branquinha. – Vamos em frente! Então esses diabinhos podiam se transformar em humanos e criar a maior confusão no mundo das gentes! Aí fingiam que eram papai ou mamãe ...
- Que perigo! – exclamou o Pingo! Mas a gente sabe quando é ou não é. O cheiro não é o mesmo!
- É assim pra bicho, mas não para as gentes! – ponderou Tio Chicão. Os humanos são bem limitados em seus sentidos.
- Posso continuar? – resmungou a Lua.
- Sim, menina Lua. Continue, disse tio Chicão.
- Pois bem. Teve um dia que um desses diabinhos aproveitou que um papai saiu de casa e se transformou em um homem igualzinho ao papai e nem a mamãe conseguiu perceber que não era o papai! E os filhos do papai de verdade acreditaram que o papai de mentira era mesmo o papai de verdade.
- Que coisa! Falou a Chiquinha. – E aí, Lua?
- Pois é! Quando o papai chegou de volta viu que dentro de sua casa estava o papai de mentira. Como o papai de verdade era muuuuuito esperto, como o nosso papai é, ficou bem quietinho, foi se aproximando e chegou embaixo da janela e viu que os filhos estavam em volta do papai de mentira enquanto a mamãe fazia a comida. Aí o papai de verdade esperou os filhos saírem para buscar a lenha pro fogão ...
- Que história antiga, Lua! Onde já se viu fogão à lenha? Não tinha microondas? – interrompeu a Jujuba.
- .... porque a mamãe precisava, completou a Lua, enquanto olhava raivosamente para a Jujuba que se encolheu toda. Vixessanta! E a branquinha continuou. – Assim que um dos meninos pisou no jardim, o papai de verdade o chamou e falou pra ele que aquele papai que estava lá dentro era de mentira. E aí falou também que ele deveria entrar e pedir para a mamãe e os outros garotos saírem, todos disfarçando pro papai de mentira não perceber. O menino fez tudo direitinho e logo todos estavam lá fora, menos o papai de mentira. Assim que estavam todos juntos começaram a gritar e correr pelos caminhos da floresta. Isso despertou os mágicos ...
- Que mágicos são esses agora, Lua? – perguntou o Pingo. – Era uma floresta ou um circo?
- Eram mágicos, gente que faz as coisas aparecerem e desaparecerem, mas de verdade, não com cartolas e coelhos. Mágico de verdade! – tentou explicar a Lua depois de se enrolar toda.
- Menino Pingo, os mágicos que a menina Lua se refere são aqueles que mesmo sendo humanos são os mensageiros e intermediários entre os homens e os deuses. Em algumas culturas são chamados de xamãs. Em outras são os pajés, explicou tio Chicão.
- Entendi, falou o Pingo.
- Pois é! Esses mágicos chegaram perto do papai de verdade e sua família e souberam que o diabinho havia se transformado em um papai de mentira. Daí que pegaram ele, o papai de mentira e colocaram dentro de um vaso de cerâmica e ...
-Peraí Lua. Que coisa toda é essa? Como é que os mágicos conseguiram colocar o diabinho dentro do tal vaso? perguntou a Lulu. – Não parece ser tão fácil assim!
- Não foi mesmo! Esses mágicos eram mágicos mesmos e fizeram a mágica que fez o diabinho entrar no vaso e ....
-Lua! Assim não vale! Tem que explicar tudo direitinho – disse a Pipoca.
- Tá certo! Tá certo! Esperem que eu vou ver como esses mágicos fizeram – disse a branquinha enquanto saía pra biblioteca da mãe.
- Eu quero ver onde entram os mosquitos da Tia Cris nessa história – falou o Pingo.
- Não se preocupe, Pingo, que ela arranja um jeito, disse a Azeitona.
A Lua voltou toda sorridente e foi logo dizendo: - Os mágicos tiveram ajuda das forças da natureza! Foi assim!
- Forças da natureza, Lua? Mas o que são elas? – perguntou a Jujuba.
- Ah não! Isso não tá na historinha! – resmungou a Lua, ao mesmo tempo que pedia socorro para o Tio Chicão, com um olhar apavorado.
- Menina Jujuba, disse tio Chicão, todas as atividades da natureza representam sua força. Veja o vento, a chuva, o calor, o frio. Tudo isso pode fazer muitas coisas.
- Viu? Viu? – falou a Lua enquanto dava uma piscadela pro tio. – Pois é. Essas forças ajudaram os mágicos a colocar o diabinho dentro do vaso de cerâmica. Aí ele ficou preso.
- E daí? Onde estão os mosquitos? –perguntou o Pingo
- Calma. Muita calma nessa hora que ainda não acabei. Eles, os mágicos, colocaram uma tampa muito forte no vaso e colocaram numa fogueira para que virasse um monte de cinzas. Assim aconteceu. Mas quem disse que o diabinho morria assim? Nada disso! Para acabar com o danado era preciso afogá-lo – explicou a Lua.
- Afogar as cinzas? Como se afoga as cinzas? – questionou a Azeitona. - Nunca vi um carvão afogado!
- Não sei! Isso eu não sei! – gritou a Lua. – Só sei que tinha que afogar as cinzas do diabinho. É sim! E se era assim ... assim era! Ninguém ousou discordar! Lua irritada era algo inominável.
- Pois bem! Aí que os mágicos chamaram os meninos mais fortes da floresta e eles, os meninos, deviam ir até ao lago láááááá longe e jogar o vaso. Eles levantaram o vaso pelas alças e ...
- Vaso com alça? – perguntou Pipoca.
- Que diferença faz se tinha ou não alça, Pipoca? – perguntou o Pingo.
- Nenhuma! Resmungou a amarela. – Mas vaso com alça não é uma ânfora? – falou para si mesma. – Ânfora é vaso antigo ....
- Mas a história tem forno! Por que não pode ter ânfora? ponderou a Chiquinha.
- Pois bem. Eles, os meninos, pegaram o vaso-ânfora e saíram pelo caminho da lagoa. Era longe e logo eles se cansaram. Daí que pararam para dormir e ...
- Alguém roubou o vaso? – perguntou a Chiquinha.
- Não! – respondeu a Lua. Ninguém roubou nada! ]
- Mas o que aconteceu afinal? – perguntou o Kousky que queria saber onde é que entraria a história dos mosquitos da sua mãe.
- O vaso ficou ali no chão e quando eles acordaram ....
- Sumiu?
- NÃO. NÃO SUMIU! – gritou a Lua. – Estava lá no chão, do mesmo jeito!
- Ah! Tá certo! – falou o Kousky, um tanto assustado porque não conhecia bem o mau gênio da Lua quando irritada!
- Pois bem! – falou a Lua. - O vaso estava lá, no mesmo lugar, mas os meninos estavam cansados de carregá-lo, porque era pesado, e achavam que se o deixassem lá no meio do mato, na floresta onde os homens não passassem, teriam cumprido a sua missão. - Mentirinha de nada – pensaram. Pegaram o vaso e quando iam escondê-lo ele caiu e se partiu ao meio.
- Devia ser uma ânfora falsa – falou a Pipoca.
- E aí? O que aconteceu? – perguntou o Pingo, enquanto torcia o rabo com tanta aflição.
- Daí que as cinzas caíram no chão, ué! Respondeu a Lua. – O que você esperava? Caiu tudo!
- Onde é que entra os mosquitos? E a Tia Cris? – perguntou a Lulu.
- Simples, respondeu a Lua. – Quando as cinzas tocaram o chão se transformaram em mosquitos.
- E a tia Cris? – perguntou a Azeitona. – Onde estava a tia Cris?
- Simples. A tia Cris sempre cuida de penudos, de peludos, de miantes, compra pães de queijo e por isso ela já era um dos anjinhos. Então ela pegou os mosquitos e guardou num vaso e depois deu pros penudos dela. É sim!
- Menina Lua, falou tio Chicão e seu latido sério deixou todo mundo preocupado. – Uma parte dessa história tem sentido, mas o final não. Acerte isso! Não se pode fazer mentiras com coisas sérias. Lendas são importantes para as sociedades em que estão inseridas.
- Tá certo, tio. Vou explicar. Eu peguei essa historinha do papai de verdade, do papai de mentira, dos filhos, da mamãe e dos mágicos, todos eles, de um livro da mamãe. Achei bonitinho e por isso coloquei a Tia Cris nela porque ela cuida dos penudos - e por isso a tia Cris é anjinho - e os penudos gostam de mosquitinhos. Daí pensei que se os mosquitinhos pudessem entrar num vasinho poderiam chegar nas mãos da tia Cris e todos ficariam felizes, falou a branquinha. É o meu presentinho de natal pra Tia Cris porque ela anda muuuuito tristinha ultimamente, e isso não pode! Não pode não! Natal é alegria!!!! Tem árvores, bolinhas coloridas, luzes e mosquitinhos pros penudos!

Era impossível não se emocionar com aquela inocência. Até o Kousky concordou e até falou que realmente a mãe dele tinha um vaso pra colocar os mosquitinhos. E falou piscando para a Lulu. Ela confirmou tudinho. Mas tio Chicão não aceitou isso como final e exigiu que a Lua buscasse o tal livro de onde havia tirado a história. A branquinha apareceu com ele preso entre os dentes: Legends of the Amazon, de Vinicio Ortiz. Lua lendo em inglês? Como assim?
- Nada disso, gente. Mamãe fez a tradução e eu li.
- Certo, menina Lua. Falar a verdade é muito bom. Vejamos então - falou Tio Chicão que por ser um pastor alemão ... aprendera inglês - .... trata-se de uma lenda dos povos Quichua, da selva amazônica pertencente a América hispânica, que explica a origem dos mosquitos.
- Só sei que nessa tal lenda tem mosquitinhos e que alguns deles são parentes daqueles que servem de comida pros penudos da Tia Cris. São sim porque mosquitinhos vão voando ... nascendo ..... voando ... e alguns chegam até aqui! Eu li num livrão da mamãe. E se eu conseguir arranjar um vasinho e colocar mosquitinhos posso ir à casa da Tia Cris comer pão de queijo e encher ela de lambidonas. Aí ela pega os mosquitinhos, dá pros penudos e vai sorrir muito porque penudo é tudo de bonito, como o espírito do Natal.

Não dava para ninguém discordar. E, além disso, ficou provado que a branquinha sabe ler melhor do que muito palhaço político. Aproveitando o momento, olhando para todos, Lua se pôs a cantar uma musiquinha cuja letra estava impressa no verso de um rótulo de massa para pães de queijo. E dançava, a branquinha, rebolando o rabo e agitando as orelhas.

Lá lá lá lou
A Zambézia acabou!
Pra casa da Tia Cris
Eu vou! Eu vou! Eu vou!

Mosquitinhos vou levar
Pros penudos alimentar.
Pães de queijo vou comer
Até o papai aparecer!

Os penudos vão piar
Quando a ânfora quebrar
E os mosquitinhos libertar.
Depois vamos comer e dançar.

Lambidonas de montão
Na Tia Cris eu vou dar
E depois de tocar seu coração
Um sorriso eu vou ganhar.

E pra encerrar digo
A quem queria saber
Se eu sei escrever
Mamãe me ensinou
A digitar no computador
Obaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Marly Spacachieri - dezembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O MISTÉRIO DA LETRA ESSE




(pra Lulu)

Em meio ao silêncio .... zap zap zap .... o barulho de algo raspando o chão. Pipoca acertou as orelhas para o barulho ... zap zap zap zaaaaap. - O que era isso? Vinha lá da sala junto com um monte de zzzzzzzzz que era, naturalmente, o ronco do tio Chicão em seu tapete. Mas aquele zap zap zap insistia. Pipoca se escondeu debaixo do lençol porque morria de medo dos fantasmas. Pensa que cachorro não tem fantasmas povoando seus medos? Tem sim. Tem o sabonete sem cabeça, a pulga gigante, a coleira com enforcador, o homem da carrocinha com seu laço, a agulha da vacina, a criança do lado com mania de puxar os pelos ... e muuuitos mais. Porém, o tal do zap zap zap .... não era conhecido não! Pipoca resolveu que era hora de dormir e esquecer. Devia ser uma coceira qualquer ... de um pulguento .... apesar de que todas as pulgas foram expulsas com o tal produto cheiroso que a mamãe comprou. - Sei lá! Melhor dormir.

Fuc Fuc – O que era isso agora? Pipoca suspirou e resolveu investigar. Podia não ser a mais corajosa de toda a matilha, mas tinha um tiquinho de ousadia. Porém, pensando melhor resolveu pedir ajuda pra Jujuba. – Jujuuuuuuu, acorda!

- Mas o que você quer Pipoca? Tô com sono. Quero dormir para o tempo passar logo e logo chegar a hora de ganhar o leite de soja. Fique quieta.

- Você não tá ouvindo o fuc fuc e o zap zap? – perguntou Pipoca

- O que? Como um fuque fuque e um zapi zapi? – falou a Jujuba, no mesmo instante que um fuc e dois zap eram ouvidos por ambas.

- Ora bolas, disse Jujuba. É lá na sala. Vamos lá ver – ao mesmo tempo em que colocava seu boné de aba pra trás para ficar com cara de má. Se fosse um fantasma .... ela espantaria. Ah! Espantaria sim! RRRRRRR.

As duas saíram de cima da cama, bem devagar, pra não acordar a Azeitona porque com ela ... auuuuu ... seria o maior banzé. Chegando à sala viram a Lua com uma vassourinha nas patas dianteiras, apoiada nas trazeiras, vestindo um aventalzinho feito de papel de embrulho onde se lia “O melhor pão de queijo”,varrendo o chão e cantando:

Lá lá lá lá
Quando a mamãe acabar
De a Zambézia estudar
Na casa da tia Cris eu vou
E pão de queijo vou ganhar
Lá lá lá lá

- Luaaaaaa – chamou a Pipoca. – O que você está fazendo? É muito tarde e a gente tem que dormir!

- Nada disso, disse a branquinha. Vou continuar a faxina porque logo cedo vamos ter aulas. E sala de aula tem que ser limpíssima! Tem sim! Estou até colocando um cheirinho gostoso, falou mostrando o frasco de desodorante do papai.

- Que novidade é essa agora? – perguntou Jujuba.

- Novidade nenhuma. Teremos aulas todos os dias e recreios todos os dias! – exclamou a Lua.

- Pipoca, disse Jujuba – vou dormir porque dessa daí só sai esse tipo de idéias onde todos nós acabamos ou tomando banho ou indo ao veterinário. Melhor deixá-la aí. E nem ligou pro focinho triste da Lua.

- Mas ... ia dizendo a Pipoca quando notou que a Lua ficara triste. E se tem coisa ruim para um cachorro é ficar triste. – Lua, você quer montar uma escolinha? É isso? Mas quem vai ser o professor? O tio Chicão anda tão cansado que acaba dormindo no meio da aula ... Mamãe está com aquela Zambézia que não lhe solta do pé e o papai .... bem .... nem pára em pé de tão cansado.

- Nada disso, Pipoca. Euzinha quero ser a professora. Até consegui um lousa e um giz, disse a Lua mostrando um fundo de comedouro e um pedaço de lápis de sobrancelha que encontrara quando foi passear com o pai no jardim. – Dá pra gente brincar muito. E aprender. E comer pães de queijo nos recreios.

Pipoca pensou que não havia nada de errado na filhota querer ser professora de brincadeira. Afinal, de uns tempos para cá o apartamento tinha virado uma coisa complicada, com livros para todos os lados. E papai era professor ... e mamãe sempre ensinava alguma coisa pra alguém, além de ter se tornado mestre em história depois de falar tanto sobre a tal Zambézia! Claro que os filhotes sentiam vontade de serem professores! E, além disso, a Lua ficou muito triste com a pouca atenção da Jujuba. Pior coisa do mundo é esfriar a alegria de alguém.

- Claro que vamos brincar sim, Lua – falou a Pipoca. Vamos juntar todos e assistir a sua aula.

- Mesmo? Você jura? Vai ser assim? Auuuuuuuu – uivou a branquinha enquanto pegava sua vassourinha, ajeitava o avental e voltava a cantar:

- Lá lá lá lá
- Quando a mamãe acabar ....

Pipoca voltou para a cama e se enfiou debaixo do lençol. Quando pensou em dormir ouviu o chamado.

- Acorda cachorradaaaaaaaaa. Tá na hora da aulaaaaaaaa – gritava a Lua ao mesmo tempo em que pulava sobre a cama. Não havia o que fazer. Era melhor levantar e fazer o que ela queria. Lua quando quer .... tem! Chegando à sala encontraram o tapete no centro e uma folha de papel marcando cada lugar. Cada um foi se colocando onde quis porque a Lua não sabia escrever e por isso os lugares eram de quem chegava primeiro. Até os invisíveis vieram, todos, bocejando. Colocados em roda e aparece a branquinha carregando um saquinho cheio de algumas bolinhas.

- Bolinhas de queijo?farejou a Chica.

- Pode tirar seu focinho do meu lanche! – resmungou a Lua. – É pra hora do recreio. E agora vamos pra aula. Vou começar falando – quer dizer – latindo algumas perguntas e ....

- Xiiii, ela vai imitar o tio Chicão? – perguntou o Pingo

- Não vou imitar ninguém, seu amarelão! – gritou a Lua – Quero saber quem sabe o que eu vou perguntar! Quero só ver!
- Deixe a menina Lua começar sua aula – ponderou tio Chicão que ainda estava se acomodando no lugar que escolhera, bem perto do armário do televisor porque ali poderia se encostar e sentir menos dor. Ah! Como doía aquele reumatismo!!!

- Obrigada, tio. Vamos ver, falou a Lua, enquanto se colocava no centro da roda. – Quero saber o que é sabão.

- Ora, Lua, é aquele negócio que quando se coloca na água faz bolhas e esfrega-se no nosso pelo – falou a Azeitona.

- E sai aquela água suja e nojenta, disse Lulu, que depois de ter ficado transparente permanecia a mesma vaidosa de sempre.

- Nada disso. Nada disso. Sabão é uma dança. É sim!

- Mas que dança? Falou o Pingo. – Só se for quando a gente pisa e escorrega. Aí dá aquele arrasta pata dos brabos, vai uma pata pra cada lado e a gente se esborracha no chão.

- Nada disso! Nada disso! Sabão é uma dança do fandango no Rio Grande do Sul, de S.Paulo e de Pernambuco que foi popular no século XIX , disse a Lua, olhando para os lados e procurando a fisionomia espantada de cada focinhudo.

- Que quer dizer fandango? Perguntou a Chica

- Fandango, senhora Chica, é uma dança típica, falou tio Chicão.

- Mas não é o nome de um salgadinho que faz crec quando a gente morde e .... começou o Pingo

- Nada disso! Ninguém sabia! Zero pra todo mundo menos pra eu, gritou a Lua.

- Não, não, menina Lua. Não se pode deixar uma pergunta sem resposta. A senhora deve dizer o que é fandango, ponderou Tio Chicão.

- Tá certo, tá certo, mas deixem eu tomar uma água – disse a Lua enquanto entrava na biblioteca da mãe. Ninguém falou nada, mas lá não tem pote de água. Ela demorou um tantinho e ao sair tinha o riso dos vencedores no canto do focinho.

- Ateeeeençãooooo. Vou falar o que é fandango e só uma vez: é uma dança em pares conhecida em Espanha e Portugal desde o período Barroco caracterizada por movimentos vivos e agitados, com certo ar de exibicionismo, em ritmo de 3/4, muito frequentemente acompanhada de sapateado ou castanholas e seguindo um ciclo de acordes característico (lá menor, sol maior, fá maior, mi menor).

- Credo, exclamou o Teco que havia entrado e se instalado perto da Chica porque antes de ser invisível ele era namorado dela. Ah! Bons tempos!!!! Essa branquinha parece um foguetinho sem controle. Bonitinha e ai.... gritou depois de levar um apertão da Chica. Ela estava visível e atenta, isso sim! Invisível ou não ele que se comportasse! Esse negócio de se considerar protetor das cadelas tinha que acabar! Tinha!

- E vamos para a outra pergunta, latiu a Lua. Atenção! O que é sabongo.

- Sa ... o quê? Gritaram Azeitona, Pipoca e Jujuba ao mesmo tempo.

- Sabongo! Sa-bon-go! Falou a branquinha. SABONGOOOOOO.

- Um cachorro com bom faro? – arriscou a Tetê

- Cocada, respondeu a Chica.

- Como assim? Cocada? – falou o Teco

- É uma cocada feita com ponto mais brando, esclareceu Chica. Eu gosto muito, mas prefiro a cocada tradicional, aquela com fitas de coco .... e anote aí Teco, que logo faço aniversário e ...

- Como assim? Fitas de coco?

- Sim, Lua. Fitas de coco, disse a Chica.

- Certo. Ponto pra Chica ... falou a Lua ... franzindo a testa e querendo saber de onde a mini cadela havia visto isso. – Tem coco nessa farofa! – pensou mas não se atreveu a dizer. Imediatamente passou para outra questão. – Atenção todos e todas! – Quem é o saci-pererê?

- Esse é dos meus, exclamou o Kousky que viera acompanhando a Lulu porque mesmo transparente ela era uma cadela muito bonita e já havia tempos que ele suspirava por ela. Agora que eram transparentes podiam ficar juntos. Ah! O amor! – pensou o Pingo!

- Kousky, quer fazer o favor de se explicar? – falou a Azeitona. – Eu sei que o saci é um menino de uma perna só e preto como eu. Você é cachorro e de pelo branco. Como pode ser da mesma turma?

- Simples, garotona Zezé – falou o peludo sem perceber o franzir de focinho do Pingo. Como então aquele folgado chamava a Azeitona de Zezé? – Somos os dois bastante traquinas.

- Traquinas? Isso não é nome de biscoito proibido pra cachorros? – gritou a Pipoca.

- Traquinas, menina Pipoca, é o mesmo que peralta, levado ... – explicou tio Chicão.

- Vamos! Vamos! Até agora não se falou quem é o Saci Pererê – reclamou a Lua. – Tem que responder direitinho para ganhar os pontinhos. Ih! Rimou!

- Bom, - exclamou o Kousky – lá na minha casa tem livros e livros e eu aprendi com a minha mamãe ....

- A tia Cris! A tia Cris! AUUUUUUU – gritou a Lua, toda emocionada e ciumenta.

- Sim, a MINHA MÃE, latiu o Kousky, tem muitos livros e num deles li que o Saci é um menino levado ... mas não sei mais nada.

- Pode ser um parente meu porque é preto e falta uma perna, disse a Tata ajeitando-se entre a Lulu e o Kousky porque era a mais velha e guardiã dos “bons costumes”. Além do mais, como não tinha uma pata dianteira podia tudo.

- Tio Chicão? Cê sabe? – perguntou a Jujuba enquanto afiava seu ossinho limpa-dentes em formato de pingente.

- Bom, vamos lá. O Saci Pererê data do século XIX e é associado ao diabo e ao mesmo tempo nas festas religiosas, como a de Folias de Reis .... Trata-se de uma menino levado, como disse o garoto Kousky, mas com maus hábitos como o de fumar cachimbo ...

- Argh! Puá! Credo! – exclamações vindas de todos os lados.

- ... tem as mãos furadas ....

- Tadinho! Quem fez isso? – choramingou a Lua

- A lenda, Lua – respondeu o Pingo.

- .... usa uma espécie de gorro vermelho, a carapuça, que tem poderes mágicos. Só se captura um saci se se tirar a carapuça dele. A noite ele assovia e assusta os animais, faz nós nas crinas dos cavalos e emaranha as caudas das vacas, azedando seus leites. É ele quem queima os alimentos no fogão ....

- Tio Chicão! Se esse malvado aparecer aqui e quiser enroscar os pelos da Lulu, azedar o leite da caneca do Pingo ou queimar o meu pão de queijo .... dou-lhe uma mordida .... disse a Jujuba – e lenda ou não .... ele vai sair correndo.

- E aí Lua? Ponto pro tio Chicão?

- Sim! respondeu a branquinha decepcionada porque não estava se sobressaindo como queria. Mas todos estavam preocupados porque a cada tempo ela corria até a biblioteca da mãe e depois voltava toda contente. Algo acontecia. Pipoca foi espiar e chamou o Pingo,que era mais alto pra tentar descobrir o mistério, mas ...nadica de nada.

- Vamos a outra pergunta! Por que tem o dia de todos os santos? – questionou a Lua

- Mas o que cachorro entende de santo, Lua? – ponderou a Azeitona. – Não tem esse negócio de santo com a cachorrada.

- Como não? E o São Francisco que virou o tal encosto da mamãe e depois ficou grudado no papai? Todo mundo fala que esse São Chicão grudou neles? – falou o Pingo

- Nada disso, gente canina – latiu melodicamente a Lulu. O São Francisco foi um homem bom, que cuidava dos bichos e da natureza e quando ficou transparente passou a ser anjo da guarda dos bichos. A gente brinca muito com ele. Quando vocês ficarem transparentes vão conhecer o quintal dele. Tem cada flor maravilhosa com perfumes di-vi-nos.

- Voltemos ao tema! Ordem nessa bagunça! Exclamou a Lua. – Quero saber por que tem um dia para todos os santos. Quem sabe? Ninguém? Obaaaaa. Ponto pra mim.

- Para ganhar seu ponto, menina Lua, é preciso responder a sua pergunta, falou tio Chicão.

- Mas ....

- Sem mas, Lua. Responda – gritou Jujuba, toda nervosa e com o boné já virado pra trás, sintoma de que estava se animando pras mordidas.

- Mas .... choramingou a branquinha ... deve ser pra dar dia para todos os santos. É isso. É sim.

- Nada disso! Responda direito! Não nos enrole! – resmungou Jujuba e todos ouviram aquele rrrrrrr.

- Calma, menina Jujuba. A filhota está certa. É isso mesmo. Como todos os santos devem ter um dia comemorativo e se tem muito mais santo que dias, a igreja católica estabeleceu um dia para todos os santos. Dessa forma nenhum ficou de fora – explicou tio Chicão, olhando pra Lua e dando uma piscadela.

- Brrrrr – mostrando língua pra Jujuba – continuou a Lua. E continuando ... o que é sarna?

- Tenha dó, Lua. Sarna é palavra proibida aqui – falou o Pingo, já se coçando e morrendo de medo.

- Sarna é uma coceira, ué! – exclamou a Tila, que chegara e se instalara ao lado da Chica, lambendo a sua orelha como nos tempos em que não era transparente e se aninhava ao lado da amiga. Chica aproveitou e mudou de orelha pra aproveitar mais o carinho.

- Nada disso, falou a Lua. Sarna é uma dança.

- Mas isto é uma aula ou um baile? Perguntou a Lulu. Porque se for um baile vou querer pentear meus pelos, arrumar minha cauda, passar perfume atrás das orelhas e ....

- Sarna é uma dança do Rio Grande do Sul ...

- De novo os gaúchos? – exclamou a Azeitona

- ... onde os pares dançantes fingem que se coçam ...

- Coisa besta! Onde já se viu fingir que se coça! Coceira é uma desgraça e tem gente que inventa uma? Não acredito! Falou o Pingo.

- ... e eles se coçam como se estivessem com sarna – continuou a Lua

- Piorou! Sai dessa, falou o Pingo.

- Menino Pingo, pense que todas as manifestações culturais são oriundas ...

- Tio Chicão! Pare com isso! Que é isso de falar palavrões na minha aula? – reclamou a Lua.

- Que palavrão, menina Lua?

- Esse tal de oribunda ...

- Oriunda. Oriunda, sua surda, reclamou a Azeitona. Quer dizer “de origem”.

- Isso mesmo, menina Zezé. Parabéns. Mas continuando, todas as manifestações culturais tem uma origem e muitas vezes são de observar alguns hábitos do dia a dia. – explicou tio Chicão.
- A sarna? – falou o Pingo

- Não obrigatoriamente a sarna, mas as coceiras em geral. Lembrem-se que nos séculos passados, principalmente dos inícios do XX para trás, os hábitos de higiene eram precários e quase nada se sabia sobre as alergias. Por isso, como as pessoas confundiam as coceiras e a sarna era a mais comum, todas acabaram sendo chamadas assim. Por isso o nome da dança.

- Ponto pra ninguém, disse a Lua. E enquanto corria na biblioteca novamente, Pingo e Lulu se reuniram ao Kousky para discutirem esse estranho comportamento da filhota. Daí que Kousky percebeu que todas as questões envolviam palavras-chaves iniciadas com a letra S.

- É isso mesmo! Falou Lulu. Vamos ver se ela continua!

- Bom, peludos, vamos pra outra questão: o que sentinela?

- É a Tata esperando pra comer moscas, falou a Tuca, que chegou de mansinho como sempre. Depois que ficara transparente ficou muito mais silenciosa. – A Tata, antes de se transformar em transparente, ficava de sentinela esperando a mosca voar pra nhac.

- Creeeeedooooo. Arghhhhhh – saiu correndo a Lulu, pra tomar um grande gole de água para cães não transparentes e que molha os bigodes.

- Não sei porque tanto nojo, exclamou a Tetê.- Eu mesma, antes de ficar transparente, comi uma moscona ... e devolvi em seguida. Não estava no ponto para ser comida. Mal passada ... ou mal voada! Papai até fotografou.

- Precisava contar, Tuca? Precisava? Agora as moscas transparentes vão me azucrinar! –reclamou a Tata. Mas era verdade. Sempre que podia, antes de se transformar em transparente, Tata ficava a espreita esperando a moscar bobear e ... nhac.

- Vocês não sabem nada de nada, disse Lua ao sair da biblioteca mais uma vez. Sentinela é um velório, um lugar onde está o morto.

- Taí uma coisa que não entendo, disse a Pipoca. Por que os humanos fazem isso? Ficar olhando o corpo do morto? Não tem nada lá. Ele ficou transparente e está em outro lugar ....

- Mas os humanos não sabem disso. Eles acham que quem morreu ... morreu e está longe, num lugar pagando pecados ou sentado numa nuvem tocando a tal harpa... ponderou o Teco.

- Pobres humanos! Eles sofrem a toa! Olhem nós aqui, todos juntos. Até um penetra galã veio! – disse o Pingo olhando pro Kousky, que nem se importou. Ele queria mesmo era a atenção da Lulu.

- O certo é que sentinela pode ser sim um velório, principalmente na região nordeste do país, explicou tio Chicão.

- Eu sabia, disse a Jujuba, porque no carro do papai tem um cd do Milton Nascimento e o cachorro dele disse que ele gravou uma música com esse nome dizendo que o amigo estava morto. Quero esse ponto pra eu! Quero! Rrrrrrrr

- Bom, melhor dar esse ponto pra Jujuba porque .... disse a Lua, enquanto ia escapando pra dentro da biblioteca da mãe.
- Ela merece sim! – disseram todos os demais.

Aparecendo logo em seguida, Lua pergunta qual deles é filho-do-padre?

- Tá louca? Desde quando cachorro pode ter pai padre? Imagine a batina? – disse a Tuca.

- E como ele ia ajoelhar? – perguntou a Lulu.

- E rezar o terço? E ministrar as hóstias? – disse a Tila

- Hóstia de queijo? Hummmmm – lambeu os beiços a Lua. Ninguém sabe?

- Bom, menina Lua, eu acho que todos somos filho-do-padre aqui nesta casa – disse Tio Chicão.

- Alto lá! Alto lá! – latiu o Teco. – Não tem padre nenhum na minha cruza!

- Meninos e meninas, ser filho-do-padre quer dizer “alguém com muita sorte”. É isso.

- Ahhhhh – foi uma exclamação coletiva. – Mas isso inclui cachorros?, perguntou a Tuca.

- Claro que sim, esclareceu tio Chicão.

- Ponto pro tio Chicão, disse a Lua. – Agora eu quero saber o que é “ser o cão do segundo livro”?

- Nem imagino, disse o Pingo, Quer dizer que tem cão do primeiro livro?

- Que livro é esse, menina Lua? – perguntou tio Chicão.

- Espere eu tomar uma água e .... – disse a Lua enquanto tentava se afastar.

- Não tem água na biblioteca da mamãe, disse a Chica. - Pode tomar daqui mesmo.

- Não. Quero ir à biblioteca pra me inspirar, pensar, refletir .... falou a Lua

- Sem essa, girl! – disse o Teco. – Maninha terá que sair dessa sem ir para a biblio da mamãe.

- Bom, vocês insistem! Vamos ver. Se me lembro bem dos meus fichamentos ....

E todos ficaram impressionados como a branquinha ficou séria.

- .... nos anos de 1920 e 1930 os livros adotados para as escolas de alfabetização infantil, e que eram chamadas de primário ou grupo escolar, eram de autoria de Felisberto de Carvalho e tinham os títulos: Primeiro Livro de Leitura E Segundo Livro de Leitura. E dentro do segundo tinha desenhos do diabo e que era também chamado de cão.

- Que absurdo! Onde já se viu colocar aquele ser do mal como um de nós – exclamou o Pingo.

- Com o tempo, esses desenhos – do cão do segundo livro – passaram a ser sinônimo de feio, de horrível, mas, também de alguém danado de bom, bravo e valente, encerrou a Lua.

- E eu pergunto ... pra que serve isso? – questionou a Jujuba
- Como assim? Como pra que serve? – respondeu a Lua. – Trata-se de sabedoria ...

- Isso mesmo, menina Lua – confirmou tio Chicão.

- Ah! E ficar falando do mal, do diabo para cães mais novos é bom? Só pra assustar? É isso? – reclamou a Jujuba.

- Não, garota Jujuba. Discutir qualquer assunto é sempre muito saudável. – arrematou tio Chicão. – Traz novas idéias, nos faz pensar sobre outras coisas ou mesmo sobre as mais antigas crenças sob novos olhares. A discussão é sempre boa!

- Nada disso! Odeio quando o papai discute com a mamãe – reclamou o Pingo

- Não é esse tipo de discussão, jovem Pingo, esclareceu tio Chicão. – Estamos falando de diálogo, de conversa.

- E eu? Ninguém vai falar nada sobre o que expliquei? – resmungou a Lua.

- Claro que sim, Lua. Mas nos diga, de onde veio tanta informação? – falou a Pipoca. – Dos pães de queijo é que não foram.

- Bom, eu podia falar pra você que sabia disso, que tinha estudado tudo mas ... seria mentira. Eu peguei uma folha de trabalho da mamãe e do tal glossário que ela está montando ... e fui tirando essas coisas. Mas só tinha as palavras começadas com a letra S.

- Arrá! – resmungou a Jujuba. – Bem que eu desconfiava que ela estava mesmo se exibindo ... querendo aparecer ....

- Nada disso! gritou o Pingo quando viu a cara de choro da Lua. – Ela fez o melhor que pode. E olha, Lua, foi muito bacana porque estamos todos aqui reunidos, inclusive os transparentes. E felizes por pertencermos à mesma matilha.

- E aí, cara! Tem euzinho aqui – reclamou o Kousky.

- Mas você é da Tia Cris e por isso é nosso também, falou a Tata.

- Bom ... eu adorei ficar aqui com todos vocês, principalmente com as meninas, disse Kousky espichando os olhos e focinho pra Lulu, Tetê, Tuca, Tila e Tata. – Func func, farejou o branquinho. Mas sem ousar piscar para a Chica! Não! O Teco não perdoaria! Nhac.

- E tem mais – continuou Pingo. – A Lua trabalhou a noite toda pra arrumar a sala, colocar perfumes e marcar os lugares. Depois ficou convocando todos os cachorros da matilha e tudo isso pra homenagear a Lulu que ficou transparente no dia 16 passado. E ela quase nem teve tempo de se preparar. Por isso a Lua montou esta festinha. Eu ouvi tudo da minha cama.

- É mesmo Lua? Você fez tudo isso pra mim? – perguntou Lulu

- É sim. Mamãe e papai ficaram muito tristes porque eles não vêem mais os transparentes. E eu queria reunir todos aqui pra que juntos com a Lulu pensássemos numa forma de ajudar os papais nessa hora triste – falou seriamente a branquinha. Até inventei essa historinha de aula, de escola .... e nem sei fazer isso direito ... acho que me atrapalhei toda ....
- Menina Lua, você já fez o que era preciso, - explicou tio Chicão. – Quando você cuidou do lugar, perfumou a sala e chamou todo mundo para ser feliz criou uma alegria imensa nos corações e essa mesma alegria já tomou conta da casa e dos nossos pais. E foi uma professorinha das melhores!

- É isso mesmo, Lua, disse o Bim, que tinha entrado sem fazer um barulho e assistia a tudo. Trazia seu crachá da USP e um convite pra Pipoca posar para o seu blog: BigBlogdoBim. O sucesso!!! Além disso, ele já era da matilha!!! – E olhe que eu conheço tantos professores ... e você é melhor que a maioria deles!

- Obaaaaaa, gritou a branquinha. – Então vamos brincar e comer pães de queijo ...

- Menina Lua! Pães de queijo não pode! – falou Tio Chicão.

- Mas tio Chicão!!!! Choramingou a Lua olhando pro saquinho com as bolinhas de queijo.

- Calma Lua. Olhe, eu trouxe um pacotão de pães de queijo celestes, feitos com o mais puro leite de vacas do céu, disse a Lulu, próprios para cachorros.

- Obaaaaaaaaa. Lulu, você continua lindíssima – gritou a branquinha, lascando uma lambidona no focinho da menina.

- É! Sim! Mas nada de sujar meu pelo. Agora que estou transparente ... posso andar por aí ... e sabe como é, né! Sempre linda – falou a Lulu ajeitando os bigodes.

Ao longe, tio Chicão, mastigando um pão de queijo celestial, sentia-se feliz por ter tido a chance de pertencer a essa matilha especial. A menina Lua era uma alegria só. Humanos perdem tempo com coisas bobas enquanto que a felicidade está a um palmo de seus focinhos ... ops .... de seus narizes. Nesse momento todos pularam ao seu lado para a fotografia. Flash!


Marly Spacachieri
24 de outubro de 2010

































terça-feira, 21 de setembro de 2010

A AULA


A Lua olhava por detrás da cortina da sala e via as vans indo e vindo buscar as crianças. Era muito cedo e elas já iam para as escolas. Suas mães as levavam até a porta do carro e depois de beijos se despediam, fechavam as portas e zummmmmm. Lá ia o carro lotado de crianças com suas lancheiras! Ah! As lancheiras. Eram elas os objetos de suspiros da Lua, que ficava se imaginando subindo numa van, cheia de cachorrinhas e cachorrinhos, todos com suas lancheiras lotadas com ossinhos, rações e muuuuitos pães de queijo. Sim!!!! Pães de queijo!!! Para comer na hora do recreio. E tinha que ser uma escola-canil onde só tivesse recreio. Isso sim!
- Auuuuuuu – ganiu a branquinha. Por que não posso ir pra escola? Por que não tem escola pra cães? Só adestramento! Só isso! E nada de lancheiras! Nadica de nada. Pães de queijo? Nem pensar! O tio do adestramento parece um bobão com aquele osso de borracha. Quem ele pensava que engana? A ela, Lua, é que não! Quem vai querer aquele pedaço de borracha com gosto de bexiga de festa? Ainda se fosse um osso de queijo...! E tinha que ir buscar todas as vezes que ele jogava! Ora bolas!
E assim seguia dia após dia, com a Lua sempre olhando pela janela aquele ir e vir de crianças estudantes. E suspirava tão alto que despertou a atenção do tio Chicão, o grande pastor alemão que morava naquele apartamento. E ficou tão tocado pelos suspiros da branquinha que resolveu tomar uma providência. Saiu do seu canto, de cima de seu tapete e chamou a cadela.
- Menina Lua?
- Simmmm, tio Chicão.
- Parece que a menina fica suspirando todos os dias vendo essas crianças irem e virem da escola. Será que a menina Lua quer ir pra escola?, perguntou o pastor alemão.
- Querer eu quero mas .... não tem escola para cadelas e cadelos ...
- Menina Lua, não existe o termo cadelo! Você realmente precisa de uma escola!, respondeu o cachorrão.
- Mas como, tio Chicão? Eu quero uma escola de verdade!, reclamou Lua
- E o que é uma escola de verdade, menina Lua?, questionou tio Chicão.
- Uma escola aonde a gente vai todos os dias, leva lancheira com pães de queijo, come todos eles, brinca muito e depois volta pra casa pra comer os pães de queijo novos.
- E aprende o quê?, perguntou o cachorro já percebendo onde essa conversa iria desaguar!
- Aprender a brincar e comer pão de queijo, ué!, respondeu a cadelinha.
- Bom, brincar você já sabe e comer pão de queijo então .... ponderou tio Chicão.
- Mas eu queria, queria e queria! emburrou a Lua.
- Bom, menina Lua, podemos dar um jeito.,falou mansamente o pastor alemão. – Vamos chamar toda a nossa família canina e montar uma escola aqui em casa.
- Obaaaaaaaa, gritou a Lua e saindo em desabalada carreira começou a chamar todo mundo. – Chicaaaaaaaa, Pipocaaaaaaa, Pingooooooo, Azeitonaaaaaaaa, Luluuuuuuuuu, Jujubaaaaaaaa, todo mundooooooooooo, venha cá pra aula e tragam seus pães de queijo e .....
- Mas o que está acontecendo, latiu a Lulu, preocupada que essa agitação toda causasse algum dano ao seu lindo e cuidado pelo. Afinal ... onde tinha Lua .... tinha vendaval! Vento bravo, como diria o cachorro do tio Edu Lobo.
- Lá vem coisa! Pode esperar que a branquinha está aprontando alguma, disse a Jujuba enquanto polia sua coleira feita de pedacinhos de ossinhos incrustados e ajeitava seu boné com a aba virada.
- Bom, pelo grito da Lua ... tem pão de queijo na jogada, disse Pingo, já procurando o guardanapo porque comer era com ele mesmo.
- Chegaaaaaa de latido furado. Vamos ao que interessa! Latiu a Lua. – Estamos numa escola e é hora do recreio e vamos comer pão de queijo e brincar e .....
- Menina Lua! Tenha calma! Tudo há seu tempo. Vamos explicar o que acontece para os outros meninos! Ponderou calmamente tio Chicão. – Resolvi montar uma sala de aula aqui em casa porque estou percebendo que vocês todos não andam se aplicando muito nos ensinamentos que o nosso tutor tem dado! E com tanto tempo que temos ....
- Alto lá! Alto lá!, gritou a Azeitona. -Eu tenho me aplicado sim. Todos os dias roubo a caneca de leite que a mamãe coloca pra eu roubar!
- E eu vigio o refrigerador e o fogão pra que ninguém roube a comida ... só eu! disse Pingo, mostrando seus dentões.
-Crianças! Não é isso! – suspirou tio Chicão. Ia ser um trabalho árduo. – Vou começar colocando ordem nessa aula. Formem um círculo em torno do meu tapete e vamos a aula.
- Mas e os pães de queijo .... ????, tentou falar a Lua quando viu o olhar enviesado da Pipoca. – Depois a gente vê, né?, disfarçou a branquinha.
Sentados em volta do tio Chicão, atentos aos latidos do maior cão da matilha, todos os sete cães esperaram. A aula não tardou a iniciar-se.
- Menino e meninas, quero saber por que o cachorro gosta de colocar a cabeça para fora da janela do carro quando sai para passear. Alguém sabe?
- Ué! Pra ver as padarias com pães de queijo, não é?, disse a Lua. – Pelo menos eu faço isso!
- Eu acho que é pra poder morder quem passar perto do carro , disse Pingo.
- Nada disso! Que idéia idiota é essa de por a cabeça pra fora do carro? Desmancha todo o pelo da gente, reclamou a Lulu.
- Nada disso! Ninguém acertou! Quando a gente sai de carro quer sentir todos os cheiros que vem de fora. E olhe que são muitos. E o nosso focinho capta todos eles. Que maravilha é sentir os cheiros de tantas coisas e gentes e bichos e ...
- ... pães de queijo, queijadinhas, requeijões ....
- ... flores e
- .... coisas fedidas!!!! – reclamou a Pipoca.
- .... perfumes! Sim, menino e meninas. Tudo isso pertence aos nossos focinhos. Pertence ao mundo dos farejadores! completou tio Chicão. – Nosso universo de odores é imenso. Podemos reconhecer cheiros de pessoas que estiveram naqueles lugares dias antes!
- Isso é verdade, exclamou Azeitona. – Eu me lembro de ter sentido o cheiro das meias do papai depois delas terem sido lavadas! E daquela calça que ele trouxe depois de tratar das pulgas do Bim. Ficou o cheiro do Bim por toda a semana!
- Aquele goooordoooo, reclamou Lua. – Todo mundo sente o cheiro daquele gooooordo. Até mesmo quem não tem focinho! HUNF!
- O mais importante, continuou tio Chicão – é que esse faro apurado que temos permite salvar muitas vidas quando em desastres como desabamentos ou terremotos. Achamos as pessoas muito abaixo dos escombros.
- Isso é tão bonito, exclamou Chiquinha. Ai e ai! Pingo ficou todo animado porque tinha um focinhão! Quem sabe assim ela, a Chica, o olhasse com outros olhos!!!!
- Também ajuda a encontrar drogas escondidas nos lugares mais improváveis, continuou tio Chicão.
- Isso é tããããããoooo feiooooo, reclamou a Lua, olhando de soslaio para a sonhadora Chica.
- Feio nada! Isso é muito bom, exclamou a Jujuba. Droga não tá com nada! A gente tem que achar e ...
- .... fazer xixi em cima?, perguntou Azeitona.
- Melhor não, menina Azeitona. Melhor deixar para os humanos resolverem. Vai que o nosso xixi ajude a droga a ficar pior .... melhor não!, explicou tio Chicão. – Mas voltando a nossa aula, quero saber porque um cachorro fica de boca aberta.
- Pra comer pão de queijo!, exclamou prontamente a Lua.
- Pra morder, gritou a Jujuba.
- Pra roubar uma coisa ..., falou a Azeitona.
- Pra ajeitar os bigode, suspirou docemente a Lulu.
- Pra mostrar os dentes limpinhos, resmungou a Chica.
- Sei lá!, respondeu a Pipoca.
- Para amenizar o calor que sente, explicou tio Chicão. Nem sempre quando estamos com a boca aberta e língua de fora estamos com sede.
- E tem humano que cisma de enfiar água pela goela da gente!, reclamou a Azeitona. A dona da Batata é uma dessas! De tanto enfiar água vai acabar transformando a cadela em purê!
- Um cachorro com sede pode ficar com a boca aberta, mas quase sempre estará arfando! Explicou tio Chicão. Quando não, está apenas se refrescando. Agora quero saber por que um cachorro anda em círculos antes de deitar.
- Isso eu sei! – gritou a Pipoca. É pra ter certeza de que vai deitar em lugar gostoso, confortável ...
- Não pode ser! A Azeitona deita em cima de todo mundo, pisa em todo mundo, afunda todo mundo!, reclamou a Lua. – Como então é isso?
- Menina Lua, a menina Pipoca tem razão ... em parte. Veja bem! O contato do cachorro é feito pelas patas e quando ele circula o terreno é para ter certeza de que está livre de obstáculos, explicou tio Chicão.
- Burrrrr! – era a Pipoca mostrando a língua pra Lua.
- Coisa feia! , reclamou a Lulu.
- Porém, não é só isso. Um cachorro gosta de rodear antes de deitar-se porque procura o vento. Ele quer ficar deitado enquanto os odores vêm para seu focinho, disse tio Chicão.
- Igualzinha eu quando deito em frente ao forno esperando a fornada de pão de queijo, explicou a Lua, já salivando. E por falar nisso ... cadê as nossas lancheiras?
- Quieta Lua, exclamou o Pingo. – Vamos continuar a aula. Está ficando interessante. Eu não sabia que tudo o que a gente faz tem um motivo.
- Tem sim, menino Pingo. Motivos para tudo, falou tio Chicão. – Vamos então para mais uma questão: por que os cachorros se lambem e lambem uns aos outros?
- Ah! É para manter o pelo limpo! – disse languidamente Lulu.
- Menina Lulu, não é isso não! A língua também é um instrumento de estímulo. Veja o caso das mamães caninas. Se elas não lamberem vigorosamente os filhotes, eles não farão seus cocôs e isso os matará, falou Chicão.
- Pelos queijos sagrados! Nunca pensei que uma lambidona tivesse esse objetivo, disse a Lua.
- Mas ... e quando o cachorro lambe a si próprio?, perguntou o Pingo.
- É quase que uma automassagem, menino Pingo. Mas existem alguns cães que se lambem constantemente, quase sem parar, causando ferimentos em si próprios. Chama-se comportamento compulsivo e é um típico caso de estresse. Nesse caso, é preciso ir ao veterinário, explicou Chicão.
- Então, quando a Lulu lambe dentro da orelha da Chica ....
- Ela está fazendo uma massagem na companheira. É uma forma de carinho como se a Chica fosse um bebê canino – arrematou Chicão.
- Mas eu tenho uma pergunta, gritou Jujuba. - Quero saber por que os cachorros enterram coisas!
- Que coisas?, perguntou Lulu
- Coisas e coisas, resmungou a Jujuba, olhando para a Azeitona. Esta vivia cavando e escondendo tudo o que encontrasse, fosse seu ou de outro.
- No princípio dos tempos, quando os cães ainda eram animais não domesticados, era preciso que caçassem e guardassem a comida para o futuro. Os cães caçadores fizeram disso um hábito e escolhiam o solo para esconder a comida. Cavavam e enterravam o que encontravam. Com isso, muitos outros cães que passavam pelo terreno sentiam o cheiro da comida vindo do subsolo e começavam a cavar. Aí encontravam as comidas novas e outras já estragadas – explicou Chicão.
-Puá! Argh!, reclamou a Lua. – Imagine enterrar pães de queijo? Nem pensar! Eu enterro tudo na minha barriguinha.
- Mas tio Chicão ... eu gosto de brincar de enterrar coisas – falou a Azeitona. – Ninguém me entende! E eu tenho alguns amigos no solo ...
- Menina Azeitona, você está certa porque esconder e cavar são muito divertidos. Os cães gostam de brincar assim. Mas, que amigos são esses?, perguntou Chicão.
- As minhocas e as formigas, respondeu a Azeitona.
- Agora é que é mesmo um grande puáááá! Como alguém pode ter uma minhoca como amiga? Quem? Só a Azeitona!!!!, gritou a Lua.
- Já eu gosto de fazer buracos na terra pra deitar. Fica quentinho, falou a Chiquinha.
- Isso mesmo. Eu também. – disse a Pipoca. A gente fica protegida do vento.
- Mas se suja! Argh! Pelo sujo, pata suja, tuuuudo sujo. Ui!, reclamou a Lulu,
- E você faz o quê para brincar, hein?, perguntou a Jujuba para a Lulu.
- Eu? Mastigo coisas, respondeu Lulu
- Que coisas?, perguntou Chicão.
- Ah! Qualquer coisa! Ossos, tapetes, travesseiros, pé de móveis ....
- Um cupim! A Lulu ou tem antepassado cupim ou traça!, gritou o Pingo.
- Nada disso! Sou uma cadela que ....
- .... busca atenção dos tutores, né? – completou Lua.
- Muito bem, menina Lua. É isso mesmo. Mastigar coisas proibidas é uma das formas encontradas pelos cães de chamar a atenção dos seus donos. Isso porque é melhor receber uma bronca do que ficar sem nenhuma atenção. explicou Chicão. A menina observou bem, falou olhando pra Lua. – Mas, como é que a menina sabe disso?
- Um livro me contou ....
- E depois eu é que sou esquisita porque tenho minhocas como amigas! – resmungou a Azeitona.
- .... era um livro de piscol... pissico ... pscol...
- Psicologia ...
- Isso mesmo, tio Chicão. Psicologia. É sim. Ele falava esquisito, cheio de palavras que eu não entendi, mas me explicou que isso de fazer besteiras pra chamar atenção é uma tal de carência. E disse mais! O cachorro faz as artes erradas e o dono briga com ele. Aí o cachorro faz mais artes erradas ainda pra receber mais atenção. Pode isso? Pobre cadelo! – choramingou a branquinha.
- Então, o melhor é o tutor não dar atenção? – perguntou a Azeitona
- Isso mesmo, menina Azeitona. O tutor deve ignorar o cachorro peralta e ...
- ... que vai fazer xixi no pé dele. Aí quero ver ele ignorar! Ah! Quero sim! Resmungou a Jujuba virando seu bonezinho para trás.
- Tio Chicão, eu quero fazer uma pergunta.
- Pois faça, menino Pingo. E era melhor mesmo mudar de assunto porque o tio Chicão era extremamente carente!!!
- Por que a gente tem que correr atrás de gatos? Eu não entendo! Não tenho nada contra os gatos e tenho que caçá-los! choramingou o Pingo.
- Note bem, menino Pingo. O cão é um animal caçador e isso vem desde as suas origens.
- Quer dizer que o meu tatatatataravô caçava e eu herdei isso dele?
- Sim, Pingo, Até alguns séculos os animais só comiam o que caçavam. Não tinha refeição servida por tutores ou ...
- ... pães de queijo! Meus ossos sagrados! Os coitados sequer tinham pão de queijo? – gritou a Lua. – Do que viviam esses pobres cães ancestrais? Apenas de ração?
- Não, menina Lua. Ração também é algo dos tempos de hoje. Depois que foram domesticados, os cães passaram a comer restos dos alimentos que os humanos deixavam. Antes caçavam.
- Peloamordedeus! O pelo devia de ser um horror! – falou a Lulu, afastando uma lasquinha de pó de perto de sua pata.
- Não apenas o pelo, menina Lulu, mas também os órgãos internos desses nossos antepassados eram bombardeados com substâncias nocivas e até mesmo mortais. Mas isso acontecia com os humanos também. Ambos comiam o que encontravam – finalizou Chicão.
- Mas porque esse negócio de comer porcarias tem que entrar no meio da minha pergunta? O que tem a ver com a nossa caça ao gato? – perguntou Pingo.
- Menino Pingo, o cão é um animal predador e o gato é uma presa perfeita para ele já que foge agilmente, salta e fica no alto desafiando o focinho canino. Isso tudo estimula o instinto de caçador, explicou Chicão.
- Isso é verdade! Adooooro ver o bichano se arrepiar todo e zás .... sair correndo – disse o Pingo. – Mas eu só quero brincar com ele!
- Mas ele não entende assim! Para o gato, o cachorro é um caçador que lhe tirará a vida caso ele bobeie, disse Chicão.
- E a gente não pode explicar isso pra ele, tio Chicão? perguntou Pipoca.
- Pode sim mas .... não sei se vai adiantar, menina Pipoca. Alguns felinos adotam cãezinhos e depois de adultos ficam amigos. Também há cães que adotam gatinhos. Há casos e casos! Porém, na grande maioria das vezes .... são inimigos.
- Eu sou amiga da Mingau, a gata do 26 ,disse a Lua.
- Isso é bom, menina Lua.
- Claro que é! A tutora dela fabrica os pães de queijo que vão para a padaria. A gente fica embaixo da mesa e nhac ....
- Menina Lua! Não pode comer nada que venha de outras pessoas! Não pode! – falou tio Chicão, muito zangado.
- Tá certo, tio! Tá certo! Mas é que aquele pão é tão gostoso!!! Nham .... salivou a branquinha.
- Mas tio Chicão, por que tem cachorro que corre atrás do rabo? – perguntou o Pingo.
- Correr atrás do rabo é uma forma de diminuir a ansiedade e ...
- Mas o que é ansiedade?
- Jujuba, a ansiedade é um tipo de aflição, de tristeza, de angústia ...
- Coisa ruim! – resmungou a Lua.
- É sim! Uma tristeza. O cachorro fica tristonho e quer agitar sua vida. Aí vê o seu rabo e começa a querer pegá-lo. E quanto mais corre até ele, mais ele se afasta. Fica divertido e ele ocupa seu tempo. – explicou Chicão.
- Não tem nada melhor para ele fazer? Ver um penudo na casa da tia Cris, visitar tia Eneida, correr atrás de uma lagartixa, fuçar uma plantinha ....???? – falou a Lua.
- Menina Lua, nem sempre depende do cachorro ter as coisas. Quase sempre é o tutor quem deve buscar essas diversões ao seu cão. Alguns acham que dando comida e água .. basta!
- Isso é verdade!, falou Lulu. – Antes de eu vir pra cá, estava na casa de uma família que me dava água e comidas, mas não me deixava sair do quintal. Eu vivia triste. Um dia mudaram de casa e não me levaram. Fiquei na rua por muito tempo até ser adotada pela minha tutora atual. De uma hora pra outra saí do quintal diretamente para a rua. Um horror!
- Menina Lulu, essa sua experiência terrível é muito comum, infelizmente., falou Chicão. Muitos animais passam a ter comportamentos compulsivos, como esse de morder o rabo, depois de grandes traumas como esse que você passou! Outros apanham de seus tutores ou são ameaçados por animais mais fortes. Tudo o que causa medo .... Bom, acho que por hoje chega ....
- Uma última pergunta: por que o cachorro macho levanta a pata para fazer xixi?, perguntou Chiquinha.
- Isso eu sei, disse Pingo. É para evitar que a urina escorra pela outra pata. Mas também é para marcar o território. Assim, quando faço xixi, levanto a pata lááááá no alto pro xixi vir escorrendo desde cima e marcar mais que possível o meu território.
- Bravo! Pingo você arrasou!, disse Pipoca. – Ele não é um “pão doce” peludo?
- Pão! Pão amarelo é pão de queijo! Isso me lembra que temos que ir ao recreio .... disse a Lua enquanto saía correndo em busca da sua lancheira.
Marly Spacachieri
20 de setembro de 2010.

domingo, 20 de junho de 2010

CHICA

A carruagem passa, os cães latem e as pulgas atacam a roupa azul da Lua

Numa noite escura, muito escura, daquela escuridão de só se ver olhos dos gatos, noite onde tudo se aquieta, a Lua dormia embaixo do cobertor porque fazia um frio de congelar barriga de pingüim. Nossa! Brrrr. Que frio. Que escuridão. Ao longe, som de uma música vinda do rádio da mamãe. Música de fazer relaxar e dormir. Lua foi se soltando, relaxando, esticando o pelo e no dormitando foi se entregando. Mas (notou que toda a historinha onde tem Lua tem um “mas”) não dormiu porque a cama pulava. Como assim? Como a cama pula? Camas não pulam! Gentes e bichos pulam nas camas, isso sim! Quem pulava na cama? Lua espiou por um dos buracos que a Azeitona fez no cobertor quando resolveu brincar de fabricar queijo, e por um deles a Lua viu a Lulu se coçando. Não era uma coceira comum, simples, uma patada lá e cá. Nada disso! A Lulu se coçava sem parar. Estava cansada. Bufou, levantou, rodou em torno do rabo e se deitou em cima da sua almofada. Começou a dormir, mas logo acordou para se coçar. E foi um coça-coça a noite toda. Nem mesmo o frio fez com que a Lulu desistisse de fazer aquela dança e mexer toda a cama. Ninguém dormiu. Lua acordou mal humorada, de olheiras debaixo dos pelos dos olhos, cansada demais. Durante o dia ficou trombando no sono, dormindo nos cantos onde encontrava um raio de sol. Nova noite e nova pulação da Lulu. Isso não podia acontecer mais. Era preciso acabar com as coceiras da Lulu. A mamãe tinha que dar um banho nela. Onde já se viu uma cadela tão bonita e dengosa como a Lulu cheia de pulgas? Não podia. Mas o que a Lua não sabia é que a Lulu estava com pulgas!
- Como assim? Pulgas? – assustou-se a Lua ao ouvir a mamãe falar com papai que precisavam comprar um anti-pulgas pra passar em toda a turminha. – Euzinha não tenho pulgas! – resmungou a branquinha. - Além do mais, ganhei uma roupinha azul lindíssima e nenhuma pulga sem vergonha vai pular nela, latiu para todas as pulgas que pudessem ouvir, mesmo tendo dúvidas se pulgas tinham ou não orelhas.
Ao chegar à sala, em cima do tapete azul estava o tio Chicão, um pastor alemão idoso e muito sábio – como todo ser idoso é, e Lua sabia disso porque era esperta e aprendia tudo que era bom. Viu que tio Chicão se coçava. Como assim? Tio Chicão estava com pulgas?
- Sim, menina Lua. Estou com pulgas! – respondeu tio Chicão antes mesmo da pequena cadela perguntar. Ele era um cachorro sábio e que observava todo mundo, sempre em silêncio, e com isso aprendera a ler nos olhos de cada um. Espertíssimo.
- Tio Chicão, às vezes você me assusta! – falou a Lua. – Mas tio, como é isso de ter pulgas? A gente não tinha nenhuma pulga ontem, antes de dormir! E de repente você acorda pulguento?
- Não apenas eu, menina Lua. Todos nós temos pulgas! – respondeu tio Chicão ainda coçando a coxa direita.
- Eu não tenho pulgas! Eu tenho sim uma linda roupa azul! – falou a Lua.
- Pois embaixo de sua linda roupinha azul tem pulgas sim, disse tio Chicão. – Elas pulam do chão, de um de nós e ... pimba! ... lá vão pra sua roupinha, por um buraquinho e chomp, chupam seu sangue.
- Nossa, tio. Que coisa terrível! Pulgas têm mola nas patas? – perguntou a cadela.
- É como se tivessem. Elas podem pular até 300 vezes a sua altura, respondeu tio Chicão depois de coçar a barriga.
- Vixessanta, disse a Lua, imitando a mãe! - E a gente não pode catar elas quando estão perto do nosso focinho, pulando, e aí a gente dá uma patada e .... adeus pulga!
- Nada é fácil e matar as pulgas também não é, disse tio Chicão. Durante toda a minha longa vida já soube das muitas pesquisas dos homens-cientistas para acabar com as pulgas mas ...
- Acabar com as pulgas? Não podemos apenas falar com elas? É preciso ser tão radical? Euzinha sou ecologicamente correta, contra a matança de animais ....
- Pulgas são insetos que prejudicam a saúde dos animais todos, incluindo os humanos, explicou tio Chicão.
- A mamãe também? – questionou a branquinha em sua roupa azul.
- Claro que sim, menina Lua. Mamãe também! E ainda é pior porque a mamãe tem alergia a picada das pulgas, o que os cientistas chamam de DAP. A pulga pica a mamãe, chupa o sangue e joga uma saliva ...
- O que é saliva?
- O cuspe, Lua, disse a Pipoca, se aproximando dos dois, não sem antes parar pra coçar a cauda.
- Isso mesmo, menina Pipoca, disse tio Chicão. Ela pica e coloca o cuspe que não deixa o buraquinho feito fechar. Ao contrário, deixa aberto e causa coceira com um prurido ...
- Um o quê – perguntaram Lua e Pipoca ao mesmo tempo, ambas com focinho de nojo!
- Um líquido espesso, quase impossível de se ver, que causa ardência, explicou tio Chicão. – Mas isso é o de menos. O problema é que ela, a mamãe, coça e com isso aumenta a lesão e pode até mesmo criar um ferimento maior e aí pode complicar.
- Malditas! exclamou a Jujuba, vestindo um bonezinho verde com a aba virada para trás. Sua coleira anti-pulgas estava enfeitada com pedacinhos de ração simulando rebites. – Elas vão se ver comigo! Eu pego uma por uma, pulga por pulga, esmago todas ....
- Bonito gesto, menina Jujuba, mas não adiantaria nada. Você ia ficar matando pulga atrás de pulga e não acabaria nunca, explicou tio Chicão.
- Credo, tio! Quantas pulgas têm aqui? – perguntou a Lua.
- Milhares! respondeu tio Chicão. E para vocês entenderem a gravidade da situação vou explicar o ciclo de vida da pulga. Ela vive entre 12 a 170 dias, dependendo da temperatura e das condições do lugar. Se estiver muito quente, acima de 35° ou menos que 3°, a pulga morre logo.
- Quer dizer, ou a gente a queima ou a congela? – questionou o Pingo, coçando a orelha esquerda, olhando hora para o freezer e hora para o fogão.
- Isso, garoto Pingo, falou tio Chicão, mas como você pode perceber, fica difícil agir assim sem causar grandes estragos no ambiente e em nós. Nesse momento, tio Chicão se deu conta que quase todos os cães estavam em volta do seu tapete azul, se coçando lá e cá. – Realmente, ponderou o idoso cachorro, a situação está fugindo do controle. Deve ter muitos ovos e pupas no chão!
- Pupa? O que é pupa? – questionou a Chica enquanto coçava a ponta da pata direita.
- Vou continuar contando o ciclo da pulga e vocês entenderão melhor, disse tio Chicão. - A pulga nasce de um ovo que cai no chão, colocada por outra pulga, e se rompe soltando a larva que foge da luz, por isso se enfia nas frestas do chão, nos meios dos tapetes e carpetes e nos estofados.
- Isso quer dizer que neste tapete azul seu deve ter algumas das tais larvas? – questionou a Lua já levantando as patas ...
- Milhares, menina Lua. Milhares delas. As larvas vêm dos ovos e uma única pulga coloca muitos ovos de uma só vez. Para vocês terem idéia, uma pulga coloca cerca de 2000 ovos em toda a sua curta vida (cerca de 5 ou 6 meses). Se uma pulga coloca 2000 ovos ... 2000 pulgas colocam milhares de ovos! Depois de se esconderem, se alimentarem e se tornarem adultas, essas pupas crescem até 2mm, criam pelos e se escondem num casulo que criam. Daí esperam o hospedeiro se aproximar, rompem o casulo e pulam nele para recomeçar o ciclo. Perfuram a pele do bicho, chupam o sangue, jogam nele as fezes que ele, o animal, joga no ambiente através do ato de coçar e que servirão de alimento para as pupas que estiverem no solo.
- Tratantes. Então além de morderem a gente ainda usam o nosso pelo como banheiro? Nojentas! – exclamou a Lua. – Não quero mais conversa com pulgas!
- Desde quando você conversa com as pulgas, Lua? – perguntou a Pipoca.
- Sou poliglota, sua focinhuda! reclama a branquinha. – Conheci a Pulex no último verão lá no apartamento da tia Cris. Ela estava de saída, muito nervosa, porque a tia Cris colocou veneno contra pulgas porque euzinha ia lá visitar ela e os penudos e ...
- Lua! Quem é a Pulequis? Quem são os penudos? – Isso tudo é mentirona das bravas! Onde já se viu falar que a tia Cris tinha pulgas? – gritou Jujuba.
- Era apenas uma, viu? E saiu correndo quando me viu arreganhando os dentes! Devia estar esperando os meus pães de queijo .... resmungou a Lua, sabendo que iam descobrir a mentira! Pingo já estava arreganhando o focinho, e ele só fazia isso quando percebia uma mentirona. Tio Chicão percebeu a possível encrenca e passou para a intervenção necessária.
- Meninas e menino! Chega de rosnados! O importante é saber que a pulga faz mal ao ser humano e ao ser canino também. Imagine que uma pulga começa a chupar o sangue e põe até 50 ovos depois de 2 dias. Existem 18 famílias de pulgas e cada uma delas tem uma preferência por um grupo de animais. A Pulex, que a menina Lua conheceu na casa da senhora Cristina, é a que ataca os homens. Mas podem atacar os cachorros se não tiverem outro hospedeiro.
- Pulgas com preferências? Elas olham o menu e dizem: - Non! Non! Querro sanguê de gatô! – imitou a Lua, rebolando o rabinho, farejando pra cima.
- Quase isso, menina Lua. Mas o que importa é que elas, as pulgas, trazem muitos problemas e alguns cães e gatos chegam a adquirir vermes que provocam anemias que precisam ser tratadas com muita rapidez. Pulga é sempre problema – explicou tio Chicão.
- Mas tio Chicão, como a pulguinha sabe que está na hora de acordar e pular no nosso pelo? – perguntou o Pingo.
- Garoto Pingo! Essa é uma excelente pergunta. Ela acorda com o barulho de eletrodomésticos, do tráfego dos veículos nas ruas, com o andar das nossas patas. Barulho. Isso faz com que acordem!
- Credo. Então acordamos um montão delas aqui neste tapete? A gente tem que ficar quietas, esquentar a casa, colocar todas luzes acesas, ou congelar o chão ... – pondera Chica.
- Não, não, cara Chica, diz tio Chicão. É preciso limpar o ambiente todo. Passar um aspirador de grande potência nas frestas, nos tapetes e almofadas, tendo o cuidado de colocar um saco de coleta descartável tendo dentro aquele pó anti-pulga que se compra no supermercado. O pó receberá as pulgas e zás!!! Quase todos os ovos e as pupas também irão morrer! O saco de coleta deve ser bem embalado, lacrado e jogado fora. Todo o cuidado é preciso. Humanos e caninos, bem como outros seres podem ser afetados pelo pó anti-pulga.
- Que maravilha! A gente acaba com elas e ... fala a Lulu, chegando toda animada.
- Não! Não! Não pensem que o problema está resolvido. No chão se deve passar aqueles limpadores com vapor, principalmente nas frestas, colchões, cobertores, edredons, almofadas. Um pano embebido em uma solução de água com água sanitária e depois retirada porque faz mal pros cães, disse tio Chicão – E não se esqueçam que os ovos podem durar até 200 dias quando estiverem em condições favoráveis (temperatura amena e local escuro). Então, parece que se foram e ... zás ....quebram e soltam pulguinhas que abocanham a gente de repente.
- Mas e como saímos disso? – perguntou a Pipoca enquanto coçava a pata, mordendo ... mordendo ...
- Banhos semanais com shampus anti-pulgas nos animais, produtos anti-pulgas nos pelos, limpeza do ambiente e das nossas roupas, diz tio Chicão. – Tem até alguns procedimentos caseiros que ajudam muito. Um deles é colocar dois copos de álcool comum com três pedrinhas de cânfora (que se compra na farmácia). Depois de dissolvidas as pedras, acrescentar um copo de água filtrada. Colocar tudo num borrifador de jardim e espalhar pelo ambiente, passar nos pelos dos cachorros (protegendo olhos e boca). As pulgas soltam do pelo dos animais. Mas lembrem-se que uma única pulga, apenas uma recomeça tudo e em pouco tempo estaremos infestados. O simples passeio em lugares com pulgas, tais como jardins e praças, trazem pulgas para nós.
- Quer dizer que a minha roupinha azul vai ter que entrar no banho? – perguntou a Lua.
- Sim, menina Lua, respondeu tio Chicão. – Ela deve estar cheia de pulgas, mordendo sua pele, soltando fezes em forma de areia preta que alimentam as pupas nas frestas e criando feridas em você! – continuou falando tio Chicão. Tinha mais coisas para explicar, mas a coceira não o deixava falar. Outro dia continuaria.
Lua viu uma pulga andando tranquilamente em sua pata, pulando de lá e pra cá. - Socorro tia Cris! Estou pulguenta! Socorro! Me acuda! – gritava a branquinha pela casa, enquanto arrancava sua roupinha azul e corria pra dentro do box do banheiro, esperando que a mãe lhe desse um banho daqueles. Lá se foi a fotografia que ia tirar, emoldurar e mandar pra tia Cris.

domingo, 13 de junho de 2010

A COPA DO PÃO DE QUEIJO NA ÁFRICA DO SUL




A Lua dormia quando seu cãolular tocou. Assustada, quase tropeçando nas patas, atendeu. Antes, porém, olhou o relógio: passavam alguns minutos da meia-noite. Quem seria nessa hora sinistra? Um fantasma? Um pão de queijo penado? Não! Era apenas o cachorro do Dunga.

Quem? Que coisa é essa agora? Quem é Dunga? Ora bolas! O técnico da seleção brasileira de futebol. O cachorro dele é o Dungacão. Pelo menos esse foi o nome dito quando a sonolenta Lua latiu o seu alô! E tanto o técnico quanto seu cão estavam na África do Sul.

Bom, e o que a Lua tinha a ver com isso? É que a branquinha tinha uma rede de relacionamentos intensa, intrincada e muito ampla. O Dungacão soube que a cadelinha branca era uma excelente repórter nos meios de comunicação canina. E que também era especialista em pães de queijo. Portanto, perfeita para integrar a equipe dos colaboradores da I Copa do Mundo do Pão de Queijo que aconteceria na África do Sul ao mesmo tempo em que os humanos teriam o seu campeonato mundial de futebol.

Dungacão se apresentou, contou sobre o evento e convidou a Lua para participar. O pagamento seria em pães de queijo. O contrato foi combinado. Mas ... afinal de contas ... onde estava mesmo o Dungacão? Na África do Sul!

- Pelos pães de queijo sagrados! – exclamou Lua. Lá vem a África de novo! Já não basta a minha mamãe estudando a tal Zambézia ... agora chega mais um pedaço desse continente! Não posso fazer feio, mostrar que não sei nada. Imediatamente correu para a biblioteca da mãe e começou a fuçar. Nada! Só Zambézia! Estava quase arrancando os pelos quando o Chicão acordou. O pastor alemão era bem mais velho e por isso mais sábio. Vendo a branquinha naquela inquietação toda perguntou qual o motivo de tanta agitação. Lua explicou que nada sabia sobre a África do Sul e como poderia fazer parte da turma de colaboradores da Copa do Mundo do Pão de Queijo?

- Ora, pequena Lua. Cachorro é cachorro aqui e lá. Queijo é queijo aqui e lá. Portanto, faça de conta que a Copa é aqui. Vai dar na mesma, - disse Chicão.
- Mas tio Chicão, a África é longe demais e tem coisas lá que aqui não tem, latiu a branquinha.
- É certo isso, pequena Lua, mas eles não tem coisas que temos. Portanto, empatamos – respondeu o pastor.
- Isso é! – latiu a cadelinha.
- Mas você pode consultar a cadela Azeitona sobre isso. Ela tem ancestrais africanos e pode te ajudar, aconselhou o pastor.
- Bacana, tio. Vou fazer isso mesmo! – disse pulando no pescoço do pastor alemão, dando-lhe uma grande lambida no focinho.
- Essas crianças de hoje ... exclamou o cachorrão, saindo vagarosamente e indo para seu tapete azul.
- Azeitonaaaaaaaaa. Azeitonaaaaaaaaaaaaaaaaa. Cadê você, Azeitonaaaaaaaaaaaaaaaaa, gritava a Lua pela casa.
- Credo! Estou aqui, Lua. Que escândalo é esse? – disse a Azeitona saindo debaixo de um cobertor. Ela sempre se escondia quando sentia frio. Era inverno e portanto, brrrrrr.
- Sabe o que é? Preciso saber tudo. TUDO. Tudinho sobre a África do Sul. – disse Lua. O tio Chicão disse que você tem um tal de ancestrais e ....
- Tenho ancestrais. Não é um! São muitos! – disse Azeitona. Todos africanos! Todo mundo tem. Você sabe o que são os ancestrais?
- Não! Deve ser uma caixa onde se guarda coisas ... um livrinho onde se anota coisas .... um vidro onde se coloca coisas ... Coisas! Eu tenho caixinhas de pão de queijo. São ancestrais? – perguntou Lua.
- Nada disso! São meus antepassados, meus avós, bisavós, avós dos bisavós ...
- Nossa! Quanta gente! Como você consegue carregar tanta gente com você? E onde guarda todos eles? Como eles comem? Onde dormem? Nunca os vi! – fala Lua ao mesmo tempo em que olha para todos os lados.
- Ai, ai e ai! Nada disso, Lua. Ancestrais são os antepassados. Estão quase todos mortos.
- Puxa vida! Então não servem pra nada! Que adianta ter tanta gente morta? Não vão falar comigo! – resmunga a branquinha.
- Lua, eu recebi todos os ensinamentos vindos dos meus ancestrais. Um vai falando para o outro, de avó para neto, de pai para filho. Assim, todos nós sabemos tudo.
- Ah! Que bom. Então, se você sabe tudo, me conta – exclamou a Lua, toda animada. Mas antes espere ... vou buscar o meu bloquinho de anotações. Fiz um com os rótulos das embalagens dos pães de queijo. Ficou bonitinho e cheira muito bem. Hummmmm.

Voltou pouco depois. Sentou-se na frente da Azeitona, colocando-se sobre as patas traseiras. Lápis atrás da orelha direita e bloquinho entre as patas dianteiras.
- Manda ver, Azeitona! – disse a Lua, toda animada.
- Afinal, Lua, o que você quer saber? – perguntou Azeitona.
- Tudo sobre a África do Sul. Lá vai ter a I Copa do Mundo do Pão de Queijo e eu fui escolhida como repórter canina. Vou latir tudo pros torcedores daqui. Preciso fazer bonito. Não posso ir latindo qualquer coisa. Não senhora! Quero que tudo o que sair deste focinho seja verdade de verdade. Por isso, liga para os teus ancestrais e eles que soltem os bigodes e nos contem.
- Lua, você realmente é única! – disse Azeitona.
- Sou lindíssima. Uma Gisele, como diz a Tia Cris. Se ela diz que eu sou ... eu sou mesmo! Sussurrou a Lua.
- Pois bem. Vamos por pedacinhos ...
- .... como uma dentadinha num pão de queijo quente .... interrompeu a Lua, lambendo os bigodes.
- .... começando pelo povo da África do Sul. – completou Azeitona.
- Certo, latiu a Lua.
- Lua, eu vou falando e você anota. No final, se ficar algum dúvida, a gente esclarece. Certo? Não fique me interrompendo o tempo todo ....
- Eu? Interrompendo? Imagine! Nunca! Sou quietíssima! Não falo nada! Sou uma pedra ....
- LUA! – grita Azeitona
- Calada! rrrr, resmunga a branquinha.
- Bom, a África do Sul tem uma diversidade cultural muito grande ...
- Mas o que é diversidade cultural? pergunta a Lua
- Gentes de diferentes costumes, línguas, crenças. Imagine que a Constituição reconhece onze línguas como oficiais...
- Ninguém se entende! Tá na cara ... ou melhor .... no focinho .... – exclama a Lua.
- Nada disso. O inglês é a língua oficial e comercial e é a mais falada na vida pública.
- All right. exclamou a branquinha.
- Vamos lá, diz a Azeitona. Quase toda a população é negra (80%) mas isso não garante que eles falem a mesma língua. Ao contrário. Hoje são mais de 43 milhões de pessoas mas como a AIDS está em grande expansão, é bem provável que em menos de 15 anos a população caia para uns 35 milhões.
- Mas ...peraí .... se todos os humanos sabem como a AIDS é perigosa ... porque continuam sem se cuidar? – pergunta uma Lua indignada.
- Isso é outro assunto, Lua. Não é coisa de cachorro!
- Nem o apartheid é coisa de cachorro, mas vamos falar sobre ele. Coisa mais idiota. Separar humanos brancos dos não-brancos. Será que separavam os cães de pelo preto dos outros? E os que tinham pelo branco e preto? E os pretos com pelinhos brancos e os brancos com pelinhos pretos ....
- LUA! Não quer saber mais sobre a África? – gritou a Azeitona
- Claro que quero, mas é que tem coisas ...
- ... dos humanos, Lua. Dos humanos! – resmungou Azeitona. Deixe isso com eles. Os cães não têm racismo.
- Isso é! sacudiu as orelhas, a Lua, toda feliz. Somos espertíssimos!
- O cachorro do Nelson Mandela disse que ...
- Você conhece o cachorro dele? Conhece? Me apresenta? Ele tem pulgas? Ele se coça? Tem vacina? Tem ....
- Lua! Ou você se cala, anota e fica quieta ou eu vou pra debaixo do meu cobertor! diz a Azeitona, muito irritada.
- Sim (bem baixinho).
- Pois bem. O cachorro do Nelson Mandela disse que somente em 1994 é que realmente o povo negro sentiu que o apartheid estava finalizado, quando seu tutor subiu ao poder. Até as pulgas saltaram mais felizes. Você está ouvindo, Lua? Parece que está quase dormindo!
- É que o Dungacão ligou muito cedo. Acordou-me. Cachorro sem noção! – explicou a Lua.
- Nada disso! É que lá na África do Sul são 5 horas a mais que aqui. Se ele ligou no começo da noite, aqui já era madrugada. Foi isso! explicou Azeitona.
- Continuo achando ele um sem noção! – resmungou a Lua que comeu um pão de queijo com pó de café para ficar desperta.
- Bom, Lua. Vamos ao que você mais gosta: a culinária.
- Slamb, salivou a branquinha.
- Olha. Os principais pratos da culinária da África do Sul levam a carne como ingrediente principal. E ela é tão importante que faz parte de uma das festas mais famosas: o braai, que significa carne grelhada.
- Mas isso é o nosso churrasco, não é? – perguntou Lua.
- Quase isso. É que tem temperos deles, o que faz a diferença. Mas também as carnes são de outros animais ...
- Tenho medo de perguntar! Que animais? – fala bem baixinho uma Lua apavorada.
- Pode ser o lombo de um jacaré, uma cabeça de carneiro ou mesmo as larvas de insetos, bem fritas.
- Eu não devia ter perguntado! Agora vou até o cantinho vomitar – por causa das larvas – e na farmácia tomar um calmante – por causa dos jacarés! – falou uma Lua toda arredia.
- Nada disso, Lua. São costumes deles. Não precisamos comer nada do que não queremos. Você queria saber dos pratos típicos e eu disse. Apenas isso. – explicou a Azeitona. Eles podem sentir nojo dos nossos pratos. Não se esqueça que aqui se come miolos, buchos ...
- Páraaaaaaaaaaaaaaaaaa. Argh! Quero minha ração. Quero meu pão de queijo. QUERO!!! – gritou uma Lua e chamou tanta a atenção que a Pipoca acordou assustada, pulando como um milho, e correndo até as duas cadelas perguntou o que estava havendo.
- Nada demais, Pipoca, disse a Azeitona. Estou explicando os pratos típicos da África do Sul para a Lua e ela ficou apavorada, enojada e outros “ada” !
- Comida? Hummmm – suspirou a Pipoca.
- Quieta você, exclamou a Lua. Se quiser ouvir – apenas ouvir – fique. Se não ... volte pra cama!
- Hunf pra você, disse a Pipoca, voltando para sua caminha e se enfiando embaixo do cobertor.
- Voltemos Azeitona. Vamos logo. Não posso perder tempo. Logo o Dungacão me liga pra passar a pauta pras reportagens do O AU, nosso jornal do condomínio, e eu tenho que estar por dentro de tudo. Continue, por favor, disse a Lua, ao mesmo tempo em que apontava seu lápis lixando a ponta no cortador de unhas caninas.
- Bom, ainda na culinária, eles têm as tortas de carne com batatas e lingüiças especialmente feitas, à mão, que são grelhadas diretamente no fogo. E ... Lua? Está me ouvindo?
- Slamb ... estou .... slamb ... lingüiça com pão de queijo .... slamb ....
- Mas tem o curry que é ardido como pimenta, mas é feito com uma mistura muito interessante: açafrão da Índia, cardamomo, coriandro, gengibre, cominho, casca de noz moscada, cravinho, pimenta e canela.
- Não era mais fácil comprar uma pimenta vermelha, daquelas ardidas? Mais fácil! resmunga a Lua.
- Ai, ai. Lua. Nada disso. Eu disse ardida e não pimenta. Cada um no seu lugar.
- Cada um no seu quadrado!!!! Auuuu, exclama a branquinha.
Azeitona ignora a explosão da cadelinha e parte para o final sobre o item da culinária: o papa, que é feito com farinha de milho e água, feito como um purê mais duro e que acompanha todos os demais pratos.
- Tem queijo ralado nele? pergunta Lua
- Não! responde Azeitona
- Então .... nadica de nada! Não tem mais nada? – questiona Lua
- Sim, saladas e frutas.
- HUNF! Mas eu sei que eles têm bons vinhos porque meu papai ganhou uma garrafa de um deles e gostou muuuuuito. Mamãe ganhou um tal licor de elefante ...
- Não é de elefante, Lua. É Amarula, uma frutinha típica de lá, explicou Azeitona.
- Mas tem um elefante no rótulo. Tem sim. diz a Lua.
- É só um desenho, pra enfeitar, explica Azeitona.
- Desde quando se enfeita com elefante? – Sei não! Tem coisas de elefante naquela garrafa. Minha mamãe disse que não pode tomar muito porque é pesado. Taí. Elefante é pesado! responde a Lua.
- Mas tem música lá, engatou a Azeitona, para ver se a Lua deixava de birra e teima.
-Música? Então meu pai vai gostar. Que música tem lá?
- Bom, Lua. Muito das músicas da África do Sul são adaptações de músicas européias, principalmente porque durante o apartheid não era permitido cantar em línguas africanas, apenas em inglês ou numa mescla de idiomas de nome afrikaans. Hoje já há todo um cuidado com a música local e os festivais de jazz atraem muita gente de todos os lados do mundo.
- Não falei! Meu papai vai se interessar. Ele toca jazz todos os fins de semana num tal chópi.
- Chópi? O que é isso? – pergunta Azeitona.
- É shopping, sua burrinha – gritou ao longe a Pipoca, debaixo do cobertor.
- Fique quieta sua amarela aguada ... berrou a Lua. Fica escutando conversa dos outros! HUNF!
- CHEGA! Gritou o Pingo, do alto de seu focinho de pit-lata. Todos se encolheram, até mesmo a samambaia. Quando o Pingo late ... o mundo se cala. A Lua se cala! Vixessanta. Continue, Azeitona, latiu o Pingo.
- Alguém quer saber sobre a literatura da África do Sul? perguntou a Azeitona, tentando melhorar o ambiente carregadíssimo!
- Desembuche, falou a Jujuba, ajeitando seu boné virado pra trás, uma autêntica badcadela e ajeitando sua coleira antipulga onde ela colara lasquinhas de ração para parecerem pregos e rebites. Yah!
- Pois é! Eles já tiveram dois prêmios Nobel da Literatura ...
- Também, com onze línguas... até eu, resmungou Jujuba, a nervosinha. Uma delas ia ganhar a tal corrida ...
- Que corrida, Jujuba? É um prêmio de mérito. Um prêmio que se dá por causa da alta qualidade da escrita do autor, explicou Tio Chicão, lá de seu tapete azul. - Quem ganhou na África do Sul foi J.M.Corteze e a sra. Nadine Gordimer.
- Quem lê isso? Tudo pra cachorro de rico! Cachorro de pobre lê livro pobre! resmunga Jujuba.
- Mas o que é isso aqui? reclama a Lua. Eu estou trabalhando! TRABALHANDO! E vocês enfiando os bigodes no meu trabalho!!! Nada disso!
- Apenas um esclarecimento antes de continuarmos, Lua, disse a Azeitona. A Jujuba está sendo preconceituosa porque a arte é para todos. A escrita é uma arte fenomenal e quem quiser pode dela desfrutar. Porém, apenas para esclarecer, um autor sul-africano renomado é J.R.R.Tolkien e ele escreveu O Senhor dos Anéis, livro popularíssimo!
- Certo! Certo! Mas vamos em frente que o Dungacão vai ligar!!! reclamou a Lua, enquanto a Jujuba resmungava alguma coisa e se escondia embaixo do cobertor da Pipoca, empurrando a amarelinha pro canto. - E tem dança na África do Sul? – questionou a Lua.
- Claro, Lua. As danças, como em quase todo o território africano, estão intimamente ligadas às práticas da guerra, da caça e dos festejos e cerimônias, explicou Azeitona.
- Cada um no seu quadrado? perguntou a branquinha.
- Mais ou menos, disse a Azeitona, pensando em como seria difícil explicar as danças pra cadelinha. Melhor não! - Mas tem esportes também.
- Isso eu sei, disse a Lua.
- Como assim? Sabe o quê? inquiriu a Azeitona.
- Eles, os sul-africanos, foram campeões mundiais de rúgbi em 1995 e 2007. Foi um cachorro quem me contou, disse a Lua.
- É verdade, disse Azeitona, sem deixar transparecer sua surpresa. Essa branquinha era imprevisível. - Mas você sabe qual é o mascote deles nesta Copa de Futebol Mundial? Um leopardo que recebeu o nome de Zakumi (ZA é a sigla do país e KUMI quer dizer dez). E a bola de futebol para essa Copa tem onze cores diferentes porque ...
- .... tem onze etnias diferentes e ela, a bola, tem nome ... completou a Lua.
- É sim! disse Azeitona, totalmente perdida diante da branquinha. - E ela recebeu até um nome...
- ... é a Jabulani, completou a Lua, com o focinho mais sério.
- Lua! Que está acontecendo? De onde você tirou todas essas informações? perguntou Azeitona.
- Do jornal que papai colocou no chão pra gente lá no quintal. Fui lá fazer meu xixi e encontrei a notícia. Mas é só isso! Pode continuar, disse Lua, enfiando o pedaço do jornal pra debaixo do tapete ao ver que a Azeitona ficara irritada.
- Certo! E Jabulani quer dizer “trazendo alegria para todos”, completou uma Azeitona séria.
- Que nem você, Azeitonaaaaaa, disse a Lua ao mesmo tempo em que pulava sobre o focinho da pretona e lhe dava uma grande lambida, toda feliz. Como ficar brava com ela? Não dá. Azeitona levantou-se e seguiu para o balde de água. Falar tanto lhe dera sede. Nesse tempo, a Lua encontrou as colas que a Azeitona usara e viu que se tratava de uma reportagem sobre a África do Sul feita por uma jornalista de nome Carina Bessa e que publicou tudo isso que foi dito e muito mais em sua matéria África do Sul, a bola da vez, no Jornal Leve e Leia – ano 3, maio de 2010 – pp. 2 e 3.
- Essa Azeitona .... tão séria ... que a gente acredita! Bom, o importante é que o Dungacão pode ligar agora que já tenho o que latir. Brasssiiiiillllll. AUUUUUUU. Beijos, tia Cris. Rumo ao hexa pão de queijooooooooooooooooo.