domingo, 20 de junho de 2010

CHICA

A carruagem passa, os cães latem e as pulgas atacam a roupa azul da Lua

Numa noite escura, muito escura, daquela escuridão de só se ver olhos dos gatos, noite onde tudo se aquieta, a Lua dormia embaixo do cobertor porque fazia um frio de congelar barriga de pingüim. Nossa! Brrrr. Que frio. Que escuridão. Ao longe, som de uma música vinda do rádio da mamãe. Música de fazer relaxar e dormir. Lua foi se soltando, relaxando, esticando o pelo e no dormitando foi se entregando. Mas (notou que toda a historinha onde tem Lua tem um “mas”) não dormiu porque a cama pulava. Como assim? Como a cama pula? Camas não pulam! Gentes e bichos pulam nas camas, isso sim! Quem pulava na cama? Lua espiou por um dos buracos que a Azeitona fez no cobertor quando resolveu brincar de fabricar queijo, e por um deles a Lua viu a Lulu se coçando. Não era uma coceira comum, simples, uma patada lá e cá. Nada disso! A Lulu se coçava sem parar. Estava cansada. Bufou, levantou, rodou em torno do rabo e se deitou em cima da sua almofada. Começou a dormir, mas logo acordou para se coçar. E foi um coça-coça a noite toda. Nem mesmo o frio fez com que a Lulu desistisse de fazer aquela dança e mexer toda a cama. Ninguém dormiu. Lua acordou mal humorada, de olheiras debaixo dos pelos dos olhos, cansada demais. Durante o dia ficou trombando no sono, dormindo nos cantos onde encontrava um raio de sol. Nova noite e nova pulação da Lulu. Isso não podia acontecer mais. Era preciso acabar com as coceiras da Lulu. A mamãe tinha que dar um banho nela. Onde já se viu uma cadela tão bonita e dengosa como a Lulu cheia de pulgas? Não podia. Mas o que a Lua não sabia é que a Lulu estava com pulgas!
- Como assim? Pulgas? – assustou-se a Lua ao ouvir a mamãe falar com papai que precisavam comprar um anti-pulgas pra passar em toda a turminha. – Euzinha não tenho pulgas! – resmungou a branquinha. - Além do mais, ganhei uma roupinha azul lindíssima e nenhuma pulga sem vergonha vai pular nela, latiu para todas as pulgas que pudessem ouvir, mesmo tendo dúvidas se pulgas tinham ou não orelhas.
Ao chegar à sala, em cima do tapete azul estava o tio Chicão, um pastor alemão idoso e muito sábio – como todo ser idoso é, e Lua sabia disso porque era esperta e aprendia tudo que era bom. Viu que tio Chicão se coçava. Como assim? Tio Chicão estava com pulgas?
- Sim, menina Lua. Estou com pulgas! – respondeu tio Chicão antes mesmo da pequena cadela perguntar. Ele era um cachorro sábio e que observava todo mundo, sempre em silêncio, e com isso aprendera a ler nos olhos de cada um. Espertíssimo.
- Tio Chicão, às vezes você me assusta! – falou a Lua. – Mas tio, como é isso de ter pulgas? A gente não tinha nenhuma pulga ontem, antes de dormir! E de repente você acorda pulguento?
- Não apenas eu, menina Lua. Todos nós temos pulgas! – respondeu tio Chicão ainda coçando a coxa direita.
- Eu não tenho pulgas! Eu tenho sim uma linda roupa azul! – falou a Lua.
- Pois embaixo de sua linda roupinha azul tem pulgas sim, disse tio Chicão. – Elas pulam do chão, de um de nós e ... pimba! ... lá vão pra sua roupinha, por um buraquinho e chomp, chupam seu sangue.
- Nossa, tio. Que coisa terrível! Pulgas têm mola nas patas? – perguntou a cadela.
- É como se tivessem. Elas podem pular até 300 vezes a sua altura, respondeu tio Chicão depois de coçar a barriga.
- Vixessanta, disse a Lua, imitando a mãe! - E a gente não pode catar elas quando estão perto do nosso focinho, pulando, e aí a gente dá uma patada e .... adeus pulga!
- Nada é fácil e matar as pulgas também não é, disse tio Chicão. Durante toda a minha longa vida já soube das muitas pesquisas dos homens-cientistas para acabar com as pulgas mas ...
- Acabar com as pulgas? Não podemos apenas falar com elas? É preciso ser tão radical? Euzinha sou ecologicamente correta, contra a matança de animais ....
- Pulgas são insetos que prejudicam a saúde dos animais todos, incluindo os humanos, explicou tio Chicão.
- A mamãe também? – questionou a branquinha em sua roupa azul.
- Claro que sim, menina Lua. Mamãe também! E ainda é pior porque a mamãe tem alergia a picada das pulgas, o que os cientistas chamam de DAP. A pulga pica a mamãe, chupa o sangue e joga uma saliva ...
- O que é saliva?
- O cuspe, Lua, disse a Pipoca, se aproximando dos dois, não sem antes parar pra coçar a cauda.
- Isso mesmo, menina Pipoca, disse tio Chicão. Ela pica e coloca o cuspe que não deixa o buraquinho feito fechar. Ao contrário, deixa aberto e causa coceira com um prurido ...
- Um o quê – perguntaram Lua e Pipoca ao mesmo tempo, ambas com focinho de nojo!
- Um líquido espesso, quase impossível de se ver, que causa ardência, explicou tio Chicão. – Mas isso é o de menos. O problema é que ela, a mamãe, coça e com isso aumenta a lesão e pode até mesmo criar um ferimento maior e aí pode complicar.
- Malditas! exclamou a Jujuba, vestindo um bonezinho verde com a aba virada para trás. Sua coleira anti-pulgas estava enfeitada com pedacinhos de ração simulando rebites. – Elas vão se ver comigo! Eu pego uma por uma, pulga por pulga, esmago todas ....
- Bonito gesto, menina Jujuba, mas não adiantaria nada. Você ia ficar matando pulga atrás de pulga e não acabaria nunca, explicou tio Chicão.
- Credo, tio! Quantas pulgas têm aqui? – perguntou a Lua.
- Milhares! respondeu tio Chicão. E para vocês entenderem a gravidade da situação vou explicar o ciclo de vida da pulga. Ela vive entre 12 a 170 dias, dependendo da temperatura e das condições do lugar. Se estiver muito quente, acima de 35° ou menos que 3°, a pulga morre logo.
- Quer dizer, ou a gente a queima ou a congela? – questionou o Pingo, coçando a orelha esquerda, olhando hora para o freezer e hora para o fogão.
- Isso, garoto Pingo, falou tio Chicão, mas como você pode perceber, fica difícil agir assim sem causar grandes estragos no ambiente e em nós. Nesse momento, tio Chicão se deu conta que quase todos os cães estavam em volta do seu tapete azul, se coçando lá e cá. – Realmente, ponderou o idoso cachorro, a situação está fugindo do controle. Deve ter muitos ovos e pupas no chão!
- Pupa? O que é pupa? – questionou a Chica enquanto coçava a ponta da pata direita.
- Vou continuar contando o ciclo da pulga e vocês entenderão melhor, disse tio Chicão. - A pulga nasce de um ovo que cai no chão, colocada por outra pulga, e se rompe soltando a larva que foge da luz, por isso se enfia nas frestas do chão, nos meios dos tapetes e carpetes e nos estofados.
- Isso quer dizer que neste tapete azul seu deve ter algumas das tais larvas? – questionou a Lua já levantando as patas ...
- Milhares, menina Lua. Milhares delas. As larvas vêm dos ovos e uma única pulga coloca muitos ovos de uma só vez. Para vocês terem idéia, uma pulga coloca cerca de 2000 ovos em toda a sua curta vida (cerca de 5 ou 6 meses). Se uma pulga coloca 2000 ovos ... 2000 pulgas colocam milhares de ovos! Depois de se esconderem, se alimentarem e se tornarem adultas, essas pupas crescem até 2mm, criam pelos e se escondem num casulo que criam. Daí esperam o hospedeiro se aproximar, rompem o casulo e pulam nele para recomeçar o ciclo. Perfuram a pele do bicho, chupam o sangue, jogam nele as fezes que ele, o animal, joga no ambiente através do ato de coçar e que servirão de alimento para as pupas que estiverem no solo.
- Tratantes. Então além de morderem a gente ainda usam o nosso pelo como banheiro? Nojentas! – exclamou a Lua. – Não quero mais conversa com pulgas!
- Desde quando você conversa com as pulgas, Lua? – perguntou a Pipoca.
- Sou poliglota, sua focinhuda! reclama a branquinha. – Conheci a Pulex no último verão lá no apartamento da tia Cris. Ela estava de saída, muito nervosa, porque a tia Cris colocou veneno contra pulgas porque euzinha ia lá visitar ela e os penudos e ...
- Lua! Quem é a Pulequis? Quem são os penudos? – Isso tudo é mentirona das bravas! Onde já se viu falar que a tia Cris tinha pulgas? – gritou Jujuba.
- Era apenas uma, viu? E saiu correndo quando me viu arreganhando os dentes! Devia estar esperando os meus pães de queijo .... resmungou a Lua, sabendo que iam descobrir a mentira! Pingo já estava arreganhando o focinho, e ele só fazia isso quando percebia uma mentirona. Tio Chicão percebeu a possível encrenca e passou para a intervenção necessária.
- Meninas e menino! Chega de rosnados! O importante é saber que a pulga faz mal ao ser humano e ao ser canino também. Imagine que uma pulga começa a chupar o sangue e põe até 50 ovos depois de 2 dias. Existem 18 famílias de pulgas e cada uma delas tem uma preferência por um grupo de animais. A Pulex, que a menina Lua conheceu na casa da senhora Cristina, é a que ataca os homens. Mas podem atacar os cachorros se não tiverem outro hospedeiro.
- Pulgas com preferências? Elas olham o menu e dizem: - Non! Non! Querro sanguê de gatô! – imitou a Lua, rebolando o rabinho, farejando pra cima.
- Quase isso, menina Lua. Mas o que importa é que elas, as pulgas, trazem muitos problemas e alguns cães e gatos chegam a adquirir vermes que provocam anemias que precisam ser tratadas com muita rapidez. Pulga é sempre problema – explicou tio Chicão.
- Mas tio Chicão, como a pulguinha sabe que está na hora de acordar e pular no nosso pelo? – perguntou o Pingo.
- Garoto Pingo! Essa é uma excelente pergunta. Ela acorda com o barulho de eletrodomésticos, do tráfego dos veículos nas ruas, com o andar das nossas patas. Barulho. Isso faz com que acordem!
- Credo. Então acordamos um montão delas aqui neste tapete? A gente tem que ficar quietas, esquentar a casa, colocar todas luzes acesas, ou congelar o chão ... – pondera Chica.
- Não, não, cara Chica, diz tio Chicão. É preciso limpar o ambiente todo. Passar um aspirador de grande potência nas frestas, nos tapetes e almofadas, tendo o cuidado de colocar um saco de coleta descartável tendo dentro aquele pó anti-pulga que se compra no supermercado. O pó receberá as pulgas e zás!!! Quase todos os ovos e as pupas também irão morrer! O saco de coleta deve ser bem embalado, lacrado e jogado fora. Todo o cuidado é preciso. Humanos e caninos, bem como outros seres podem ser afetados pelo pó anti-pulga.
- Que maravilha! A gente acaba com elas e ... fala a Lulu, chegando toda animada.
- Não! Não! Não pensem que o problema está resolvido. No chão se deve passar aqueles limpadores com vapor, principalmente nas frestas, colchões, cobertores, edredons, almofadas. Um pano embebido em uma solução de água com água sanitária e depois retirada porque faz mal pros cães, disse tio Chicão – E não se esqueçam que os ovos podem durar até 200 dias quando estiverem em condições favoráveis (temperatura amena e local escuro). Então, parece que se foram e ... zás ....quebram e soltam pulguinhas que abocanham a gente de repente.
- Mas e como saímos disso? – perguntou a Pipoca enquanto coçava a pata, mordendo ... mordendo ...
- Banhos semanais com shampus anti-pulgas nos animais, produtos anti-pulgas nos pelos, limpeza do ambiente e das nossas roupas, diz tio Chicão. – Tem até alguns procedimentos caseiros que ajudam muito. Um deles é colocar dois copos de álcool comum com três pedrinhas de cânfora (que se compra na farmácia). Depois de dissolvidas as pedras, acrescentar um copo de água filtrada. Colocar tudo num borrifador de jardim e espalhar pelo ambiente, passar nos pelos dos cachorros (protegendo olhos e boca). As pulgas soltam do pelo dos animais. Mas lembrem-se que uma única pulga, apenas uma recomeça tudo e em pouco tempo estaremos infestados. O simples passeio em lugares com pulgas, tais como jardins e praças, trazem pulgas para nós.
- Quer dizer que a minha roupinha azul vai ter que entrar no banho? – perguntou a Lua.
- Sim, menina Lua, respondeu tio Chicão. – Ela deve estar cheia de pulgas, mordendo sua pele, soltando fezes em forma de areia preta que alimentam as pupas nas frestas e criando feridas em você! – continuou falando tio Chicão. Tinha mais coisas para explicar, mas a coceira não o deixava falar. Outro dia continuaria.
Lua viu uma pulga andando tranquilamente em sua pata, pulando de lá e pra cá. - Socorro tia Cris! Estou pulguenta! Socorro! Me acuda! – gritava a branquinha pela casa, enquanto arrancava sua roupinha azul e corria pra dentro do box do banheiro, esperando que a mãe lhe desse um banho daqueles. Lá se foi a fotografia que ia tirar, emoldurar e mandar pra tia Cris.

domingo, 13 de junho de 2010

A COPA DO PÃO DE QUEIJO NA ÁFRICA DO SUL




A Lua dormia quando seu cãolular tocou. Assustada, quase tropeçando nas patas, atendeu. Antes, porém, olhou o relógio: passavam alguns minutos da meia-noite. Quem seria nessa hora sinistra? Um fantasma? Um pão de queijo penado? Não! Era apenas o cachorro do Dunga.

Quem? Que coisa é essa agora? Quem é Dunga? Ora bolas! O técnico da seleção brasileira de futebol. O cachorro dele é o Dungacão. Pelo menos esse foi o nome dito quando a sonolenta Lua latiu o seu alô! E tanto o técnico quanto seu cão estavam na África do Sul.

Bom, e o que a Lua tinha a ver com isso? É que a branquinha tinha uma rede de relacionamentos intensa, intrincada e muito ampla. O Dungacão soube que a cadelinha branca era uma excelente repórter nos meios de comunicação canina. E que também era especialista em pães de queijo. Portanto, perfeita para integrar a equipe dos colaboradores da I Copa do Mundo do Pão de Queijo que aconteceria na África do Sul ao mesmo tempo em que os humanos teriam o seu campeonato mundial de futebol.

Dungacão se apresentou, contou sobre o evento e convidou a Lua para participar. O pagamento seria em pães de queijo. O contrato foi combinado. Mas ... afinal de contas ... onde estava mesmo o Dungacão? Na África do Sul!

- Pelos pães de queijo sagrados! – exclamou Lua. Lá vem a África de novo! Já não basta a minha mamãe estudando a tal Zambézia ... agora chega mais um pedaço desse continente! Não posso fazer feio, mostrar que não sei nada. Imediatamente correu para a biblioteca da mãe e começou a fuçar. Nada! Só Zambézia! Estava quase arrancando os pelos quando o Chicão acordou. O pastor alemão era bem mais velho e por isso mais sábio. Vendo a branquinha naquela inquietação toda perguntou qual o motivo de tanta agitação. Lua explicou que nada sabia sobre a África do Sul e como poderia fazer parte da turma de colaboradores da Copa do Mundo do Pão de Queijo?

- Ora, pequena Lua. Cachorro é cachorro aqui e lá. Queijo é queijo aqui e lá. Portanto, faça de conta que a Copa é aqui. Vai dar na mesma, - disse Chicão.
- Mas tio Chicão, a África é longe demais e tem coisas lá que aqui não tem, latiu a branquinha.
- É certo isso, pequena Lua, mas eles não tem coisas que temos. Portanto, empatamos – respondeu o pastor.
- Isso é! – latiu a cadelinha.
- Mas você pode consultar a cadela Azeitona sobre isso. Ela tem ancestrais africanos e pode te ajudar, aconselhou o pastor.
- Bacana, tio. Vou fazer isso mesmo! – disse pulando no pescoço do pastor alemão, dando-lhe uma grande lambida no focinho.
- Essas crianças de hoje ... exclamou o cachorrão, saindo vagarosamente e indo para seu tapete azul.
- Azeitonaaaaaaaaa. Azeitonaaaaaaaaaaaaaaaaa. Cadê você, Azeitonaaaaaaaaaaaaaaaaa, gritava a Lua pela casa.
- Credo! Estou aqui, Lua. Que escândalo é esse? – disse a Azeitona saindo debaixo de um cobertor. Ela sempre se escondia quando sentia frio. Era inverno e portanto, brrrrrr.
- Sabe o que é? Preciso saber tudo. TUDO. Tudinho sobre a África do Sul. – disse Lua. O tio Chicão disse que você tem um tal de ancestrais e ....
- Tenho ancestrais. Não é um! São muitos! – disse Azeitona. Todos africanos! Todo mundo tem. Você sabe o que são os ancestrais?
- Não! Deve ser uma caixa onde se guarda coisas ... um livrinho onde se anota coisas .... um vidro onde se coloca coisas ... Coisas! Eu tenho caixinhas de pão de queijo. São ancestrais? – perguntou Lua.
- Nada disso! São meus antepassados, meus avós, bisavós, avós dos bisavós ...
- Nossa! Quanta gente! Como você consegue carregar tanta gente com você? E onde guarda todos eles? Como eles comem? Onde dormem? Nunca os vi! – fala Lua ao mesmo tempo em que olha para todos os lados.
- Ai, ai e ai! Nada disso, Lua. Ancestrais são os antepassados. Estão quase todos mortos.
- Puxa vida! Então não servem pra nada! Que adianta ter tanta gente morta? Não vão falar comigo! – resmunga a branquinha.
- Lua, eu recebi todos os ensinamentos vindos dos meus ancestrais. Um vai falando para o outro, de avó para neto, de pai para filho. Assim, todos nós sabemos tudo.
- Ah! Que bom. Então, se você sabe tudo, me conta – exclamou a Lua, toda animada. Mas antes espere ... vou buscar o meu bloquinho de anotações. Fiz um com os rótulos das embalagens dos pães de queijo. Ficou bonitinho e cheira muito bem. Hummmmm.

Voltou pouco depois. Sentou-se na frente da Azeitona, colocando-se sobre as patas traseiras. Lápis atrás da orelha direita e bloquinho entre as patas dianteiras.
- Manda ver, Azeitona! – disse a Lua, toda animada.
- Afinal, Lua, o que você quer saber? – perguntou Azeitona.
- Tudo sobre a África do Sul. Lá vai ter a I Copa do Mundo do Pão de Queijo e eu fui escolhida como repórter canina. Vou latir tudo pros torcedores daqui. Preciso fazer bonito. Não posso ir latindo qualquer coisa. Não senhora! Quero que tudo o que sair deste focinho seja verdade de verdade. Por isso, liga para os teus ancestrais e eles que soltem os bigodes e nos contem.
- Lua, você realmente é única! – disse Azeitona.
- Sou lindíssima. Uma Gisele, como diz a Tia Cris. Se ela diz que eu sou ... eu sou mesmo! Sussurrou a Lua.
- Pois bem. Vamos por pedacinhos ...
- .... como uma dentadinha num pão de queijo quente .... interrompeu a Lua, lambendo os bigodes.
- .... começando pelo povo da África do Sul. – completou Azeitona.
- Certo, latiu a Lua.
- Lua, eu vou falando e você anota. No final, se ficar algum dúvida, a gente esclarece. Certo? Não fique me interrompendo o tempo todo ....
- Eu? Interrompendo? Imagine! Nunca! Sou quietíssima! Não falo nada! Sou uma pedra ....
- LUA! – grita Azeitona
- Calada! rrrr, resmunga a branquinha.
- Bom, a África do Sul tem uma diversidade cultural muito grande ...
- Mas o que é diversidade cultural? pergunta a Lua
- Gentes de diferentes costumes, línguas, crenças. Imagine que a Constituição reconhece onze línguas como oficiais...
- Ninguém se entende! Tá na cara ... ou melhor .... no focinho .... – exclama a Lua.
- Nada disso. O inglês é a língua oficial e comercial e é a mais falada na vida pública.
- All right. exclamou a branquinha.
- Vamos lá, diz a Azeitona. Quase toda a população é negra (80%) mas isso não garante que eles falem a mesma língua. Ao contrário. Hoje são mais de 43 milhões de pessoas mas como a AIDS está em grande expansão, é bem provável que em menos de 15 anos a população caia para uns 35 milhões.
- Mas ...peraí .... se todos os humanos sabem como a AIDS é perigosa ... porque continuam sem se cuidar? – pergunta uma Lua indignada.
- Isso é outro assunto, Lua. Não é coisa de cachorro!
- Nem o apartheid é coisa de cachorro, mas vamos falar sobre ele. Coisa mais idiota. Separar humanos brancos dos não-brancos. Será que separavam os cães de pelo preto dos outros? E os que tinham pelo branco e preto? E os pretos com pelinhos brancos e os brancos com pelinhos pretos ....
- LUA! Não quer saber mais sobre a África? – gritou a Azeitona
- Claro que quero, mas é que tem coisas ...
- ... dos humanos, Lua. Dos humanos! – resmungou Azeitona. Deixe isso com eles. Os cães não têm racismo.
- Isso é! sacudiu as orelhas, a Lua, toda feliz. Somos espertíssimos!
- O cachorro do Nelson Mandela disse que ...
- Você conhece o cachorro dele? Conhece? Me apresenta? Ele tem pulgas? Ele se coça? Tem vacina? Tem ....
- Lua! Ou você se cala, anota e fica quieta ou eu vou pra debaixo do meu cobertor! diz a Azeitona, muito irritada.
- Sim (bem baixinho).
- Pois bem. O cachorro do Nelson Mandela disse que somente em 1994 é que realmente o povo negro sentiu que o apartheid estava finalizado, quando seu tutor subiu ao poder. Até as pulgas saltaram mais felizes. Você está ouvindo, Lua? Parece que está quase dormindo!
- É que o Dungacão ligou muito cedo. Acordou-me. Cachorro sem noção! – explicou a Lua.
- Nada disso! É que lá na África do Sul são 5 horas a mais que aqui. Se ele ligou no começo da noite, aqui já era madrugada. Foi isso! explicou Azeitona.
- Continuo achando ele um sem noção! – resmungou a Lua que comeu um pão de queijo com pó de café para ficar desperta.
- Bom, Lua. Vamos ao que você mais gosta: a culinária.
- Slamb, salivou a branquinha.
- Olha. Os principais pratos da culinária da África do Sul levam a carne como ingrediente principal. E ela é tão importante que faz parte de uma das festas mais famosas: o braai, que significa carne grelhada.
- Mas isso é o nosso churrasco, não é? – perguntou Lua.
- Quase isso. É que tem temperos deles, o que faz a diferença. Mas também as carnes são de outros animais ...
- Tenho medo de perguntar! Que animais? – fala bem baixinho uma Lua apavorada.
- Pode ser o lombo de um jacaré, uma cabeça de carneiro ou mesmo as larvas de insetos, bem fritas.
- Eu não devia ter perguntado! Agora vou até o cantinho vomitar – por causa das larvas – e na farmácia tomar um calmante – por causa dos jacarés! – falou uma Lua toda arredia.
- Nada disso, Lua. São costumes deles. Não precisamos comer nada do que não queremos. Você queria saber dos pratos típicos e eu disse. Apenas isso. – explicou a Azeitona. Eles podem sentir nojo dos nossos pratos. Não se esqueça que aqui se come miolos, buchos ...
- Páraaaaaaaaaaaaaaaaaa. Argh! Quero minha ração. Quero meu pão de queijo. QUERO!!! – gritou uma Lua e chamou tanta a atenção que a Pipoca acordou assustada, pulando como um milho, e correndo até as duas cadelas perguntou o que estava havendo.
- Nada demais, Pipoca, disse a Azeitona. Estou explicando os pratos típicos da África do Sul para a Lua e ela ficou apavorada, enojada e outros “ada” !
- Comida? Hummmm – suspirou a Pipoca.
- Quieta você, exclamou a Lua. Se quiser ouvir – apenas ouvir – fique. Se não ... volte pra cama!
- Hunf pra você, disse a Pipoca, voltando para sua caminha e se enfiando embaixo do cobertor.
- Voltemos Azeitona. Vamos logo. Não posso perder tempo. Logo o Dungacão me liga pra passar a pauta pras reportagens do O AU, nosso jornal do condomínio, e eu tenho que estar por dentro de tudo. Continue, por favor, disse a Lua, ao mesmo tempo em que apontava seu lápis lixando a ponta no cortador de unhas caninas.
- Bom, ainda na culinária, eles têm as tortas de carne com batatas e lingüiças especialmente feitas, à mão, que são grelhadas diretamente no fogo. E ... Lua? Está me ouvindo?
- Slamb ... estou .... slamb ... lingüiça com pão de queijo .... slamb ....
- Mas tem o curry que é ardido como pimenta, mas é feito com uma mistura muito interessante: açafrão da Índia, cardamomo, coriandro, gengibre, cominho, casca de noz moscada, cravinho, pimenta e canela.
- Não era mais fácil comprar uma pimenta vermelha, daquelas ardidas? Mais fácil! resmunga a Lua.
- Ai, ai. Lua. Nada disso. Eu disse ardida e não pimenta. Cada um no seu lugar.
- Cada um no seu quadrado!!!! Auuuu, exclama a branquinha.
Azeitona ignora a explosão da cadelinha e parte para o final sobre o item da culinária: o papa, que é feito com farinha de milho e água, feito como um purê mais duro e que acompanha todos os demais pratos.
- Tem queijo ralado nele? pergunta Lua
- Não! responde Azeitona
- Então .... nadica de nada! Não tem mais nada? – questiona Lua
- Sim, saladas e frutas.
- HUNF! Mas eu sei que eles têm bons vinhos porque meu papai ganhou uma garrafa de um deles e gostou muuuuuito. Mamãe ganhou um tal licor de elefante ...
- Não é de elefante, Lua. É Amarula, uma frutinha típica de lá, explicou Azeitona.
- Mas tem um elefante no rótulo. Tem sim. diz a Lua.
- É só um desenho, pra enfeitar, explica Azeitona.
- Desde quando se enfeita com elefante? – Sei não! Tem coisas de elefante naquela garrafa. Minha mamãe disse que não pode tomar muito porque é pesado. Taí. Elefante é pesado! responde a Lua.
- Mas tem música lá, engatou a Azeitona, para ver se a Lua deixava de birra e teima.
-Música? Então meu pai vai gostar. Que música tem lá?
- Bom, Lua. Muito das músicas da África do Sul são adaptações de músicas européias, principalmente porque durante o apartheid não era permitido cantar em línguas africanas, apenas em inglês ou numa mescla de idiomas de nome afrikaans. Hoje já há todo um cuidado com a música local e os festivais de jazz atraem muita gente de todos os lados do mundo.
- Não falei! Meu papai vai se interessar. Ele toca jazz todos os fins de semana num tal chópi.
- Chópi? O que é isso? – pergunta Azeitona.
- É shopping, sua burrinha – gritou ao longe a Pipoca, debaixo do cobertor.
- Fique quieta sua amarela aguada ... berrou a Lua. Fica escutando conversa dos outros! HUNF!
- CHEGA! Gritou o Pingo, do alto de seu focinho de pit-lata. Todos se encolheram, até mesmo a samambaia. Quando o Pingo late ... o mundo se cala. A Lua se cala! Vixessanta. Continue, Azeitona, latiu o Pingo.
- Alguém quer saber sobre a literatura da África do Sul? perguntou a Azeitona, tentando melhorar o ambiente carregadíssimo!
- Desembuche, falou a Jujuba, ajeitando seu boné virado pra trás, uma autêntica badcadela e ajeitando sua coleira antipulga onde ela colara lasquinhas de ração para parecerem pregos e rebites. Yah!
- Pois é! Eles já tiveram dois prêmios Nobel da Literatura ...
- Também, com onze línguas... até eu, resmungou Jujuba, a nervosinha. Uma delas ia ganhar a tal corrida ...
- Que corrida, Jujuba? É um prêmio de mérito. Um prêmio que se dá por causa da alta qualidade da escrita do autor, explicou Tio Chicão, lá de seu tapete azul. - Quem ganhou na África do Sul foi J.M.Corteze e a sra. Nadine Gordimer.
- Quem lê isso? Tudo pra cachorro de rico! Cachorro de pobre lê livro pobre! resmunga Jujuba.
- Mas o que é isso aqui? reclama a Lua. Eu estou trabalhando! TRABALHANDO! E vocês enfiando os bigodes no meu trabalho!!! Nada disso!
- Apenas um esclarecimento antes de continuarmos, Lua, disse a Azeitona. A Jujuba está sendo preconceituosa porque a arte é para todos. A escrita é uma arte fenomenal e quem quiser pode dela desfrutar. Porém, apenas para esclarecer, um autor sul-africano renomado é J.R.R.Tolkien e ele escreveu O Senhor dos Anéis, livro popularíssimo!
- Certo! Certo! Mas vamos em frente que o Dungacão vai ligar!!! reclamou a Lua, enquanto a Jujuba resmungava alguma coisa e se escondia embaixo do cobertor da Pipoca, empurrando a amarelinha pro canto. - E tem dança na África do Sul? – questionou a Lua.
- Claro, Lua. As danças, como em quase todo o território africano, estão intimamente ligadas às práticas da guerra, da caça e dos festejos e cerimônias, explicou Azeitona.
- Cada um no seu quadrado? perguntou a branquinha.
- Mais ou menos, disse a Azeitona, pensando em como seria difícil explicar as danças pra cadelinha. Melhor não! - Mas tem esportes também.
- Isso eu sei, disse a Lua.
- Como assim? Sabe o quê? inquiriu a Azeitona.
- Eles, os sul-africanos, foram campeões mundiais de rúgbi em 1995 e 2007. Foi um cachorro quem me contou, disse a Lua.
- É verdade, disse Azeitona, sem deixar transparecer sua surpresa. Essa branquinha era imprevisível. - Mas você sabe qual é o mascote deles nesta Copa de Futebol Mundial? Um leopardo que recebeu o nome de Zakumi (ZA é a sigla do país e KUMI quer dizer dez). E a bola de futebol para essa Copa tem onze cores diferentes porque ...
- .... tem onze etnias diferentes e ela, a bola, tem nome ... completou a Lua.
- É sim! disse Azeitona, totalmente perdida diante da branquinha. - E ela recebeu até um nome...
- ... é a Jabulani, completou a Lua, com o focinho mais sério.
- Lua! Que está acontecendo? De onde você tirou todas essas informações? perguntou Azeitona.
- Do jornal que papai colocou no chão pra gente lá no quintal. Fui lá fazer meu xixi e encontrei a notícia. Mas é só isso! Pode continuar, disse Lua, enfiando o pedaço do jornal pra debaixo do tapete ao ver que a Azeitona ficara irritada.
- Certo! E Jabulani quer dizer “trazendo alegria para todos”, completou uma Azeitona séria.
- Que nem você, Azeitonaaaaaa, disse a Lua ao mesmo tempo em que pulava sobre o focinho da pretona e lhe dava uma grande lambida, toda feliz. Como ficar brava com ela? Não dá. Azeitona levantou-se e seguiu para o balde de água. Falar tanto lhe dera sede. Nesse tempo, a Lua encontrou as colas que a Azeitona usara e viu que se tratava de uma reportagem sobre a África do Sul feita por uma jornalista de nome Carina Bessa e que publicou tudo isso que foi dito e muito mais em sua matéria África do Sul, a bola da vez, no Jornal Leve e Leia – ano 3, maio de 2010 – pp. 2 e 3.
- Essa Azeitona .... tão séria ... que a gente acredita! Bom, o importante é que o Dungacão pode ligar agora que já tenho o que latir. Brasssiiiiillllll. AUUUUUUU. Beijos, tia Cris. Rumo ao hexa pão de queijooooooooooooooooo.