domingo, 27 de fevereiro de 2011

OS RATOS E O GATO - Conversas no Pão de Queijo Filosófico



Tio Chicão acordou com rosnados ao seu lado. Era a Lua sonhando! E rosnava, mexia as patinhas, franzia o focinho ... tudo dormindo. Quando cachorro começa a ter sonhos agitados é porque está na hora de acordar, abanar as orelhas e o rabo. E foi exatamente isso que Tio Chicão pensou ao fazer o chamado geral!

- Atenção meninos e meninas! Visíveis e invisíveis! – latiu o grandão. – Vamos fazer a roda canina pra ouvir a fábula dos ratos e do gato!

- Como é que é? – exclamaram Lua e Lulu ao mesmo tempo! – Ratos e gato? Que história é essa? – continuou o duo canino.

- Calma, calma, meninas. Vamos deixar o tio Chicão latir, disse o Pingo. Mas que aquela história de ratos e gatos arrepiava os pelos ... arrepiava sim. Mas ele não podia demonstrar medo porque a Sasha estava olhando. Não mesmo!
- Meninos e meninas. No tempo em que os animais falavam com os humanos ...

- Peraí! Os animais ainda falam com os humanos! Eles é que não entendem – exclamou a Tata.

- Ai e ai – exclamou mansamente a Tuca. - Vamos deixar o tio falar, depois a gente fala.

- Certo, senhorita Tuca, disse tio Chicão. Voltemos a nossa fábula. No tempo em que os animais falavam com os humanos houve uma aldeia onde os ratos viviam com medo do gato.

- Mas tio Chicão! Todo rato tem medo de gato! Falou o Teco. – Aqui ou lááá China, o gato chinês mete medo até no rato africano . E ... – mas parou de falar quando viu o olhar fulminante da Tuca.

- Bom, esses ratos viviam aterrorizados porque o gato vivia perseguindo-os. Para tanto fizeram uma convocação para uma reunião e ...

- .... levaram muitos pães de queijo, deram pro gato, ele ficou feliz e deixou eles em paz? – perguntou a Lua.

- LUA! Gritou a Pipoca. - Deixe o tio contar a fábula!

- Tá bom. Tá bom. – reclamou a branquinha. – Mas que ia resolver ... isso ia.

Tio Chicão continuou.
- Convocada a reunião, todos os ratos apareceram e rapidamente puseram a falar suas idéias. Depois de muito burburinho chegaram a conclusão que o melhor seria saber quando o gato estivesse se aproximando para então se esconderem. Para isso era preciso colocar um sino no pescoço dele. O som do badalo iria alertá-los. E se alegraram muito com essa idéia. Também concluíram que eram muito espertos. Eram sim! A festa era total exceto por um ratinho idoso ....

- Lá vem a terceira idade atacando! – falou baixinho a Jujuba pro Kousky.

- ... que pediu a palavra. Achava o plano formidável, mas queria saber quem é que iria amarrar o sino no pescoço do gato. Nesse momento fez-se um silêncio digno de uma queijaria na calada da noite. Todos tinham motivos para não ir. E tantas foram as desculpas que não sobrou ninguém que se aventurasse a arriscar seus pelos. Fim da história.

- Como assim? Fim? Sem resolver o problema? Deixando as coisas pela metade? Não pode! Reclamou o Pingo. – Nada disso.

- Menino Pingo, me diga o que você faria no lugar dos ratos?

- Nem imagino! De rato eu só entendo de queijo. Adooooro queijos. Todos os queijos, principalmente os da tia Lorena. Mas, de rato ... não sei nada. E além disso, gatos têm medo de cachorros! – disse o Pingo.

- Não, menino Pingo. Não é isso. Estou falando para você colocar-se no lugar do rato e me dizer o que faria, explicou tio Chicão.

- Tá louco! Rato é um bicho do mal, tem doenças, pulgas e ...

- É fedido, exclamou a Lulu, já fazendo cara de nojo. – O Pingo tem razão! Não dá pra pensar como rato. Somos cachorros, lindos caninos! Perfumados!

- Nada disso! Os ratos são legais sim. A tia Rosa tem um tanto deles. E eu conheci o Mauritz, uma bolinha ratuda lindíssima, toda fofinha, falou a Pipoca.

- Não entendo nada de ratos, exclamou o Pingo. – Muito menos sei quem é esse tal Morritis ... Sei apenas que rato nasce pelado.

- Tadinho. E ninguém põe roupa nele? Fica assim ... no frio ... pode resfriar! – choramingou a Tata, sempre preocupada com a saúde alheia.

- A Tia Rosa cuida deles. Eles têm casinha e brinquedos ... continuou a Pipoca - e até mesmo médico veterinário. São fofinhos sim! Vocês é que são desinformados!

Mas a Lua pulava e pulava porque queria falar.
-Tá certo. Tá certo. O Mauritz é fofinho e quentinho. Todo bicho é lindíssimo. Mas ... voltemos a história do tio Chicão.

- E então menina Lua? – perguntou tio Chicão.

- Eu sei o que os parentes do Mauritz devem fazer, disse a Lua. – Como eu disse no começo, o melhor seria darem pães de queijo pro gato e ele ficaria feliz e deixaria todo mundo em paz.

- Como é que os ratos iriam fazer pães de queijo pro gato? Qual seria o tamanho desse pão? – questionou tio Chicão. – E, além disso, quem garante para a menina que esse gato comeria pão de queijo? Os gatos gostam de peixes!

- Pão de peixe com queijo dentro? Pão de queijo com peixe dentro? Coisas assim? – perguntou a Lua.

- A menina consegue imaginar um bando de ratinhos pescando um peixe? Questionou tio Chicão.

- Não mesmo! Peixe é bicho escorregadio e saracoteia pra todos os lados, pensou alto a branquinha. – Além do mais tem que usar minhocas pra pegá-lo. AUUUUU. Tenho pavor de minhocas!!!!

- Eu pediria para a minha mamãe fazer uma torta com sardinha dentro e daria pro gato. Pronto! – arriscou a Sasha.

- Mas menina Sasha, onde as mamães-ratas iriam arranjar os ingredientes para fazer a torta? E quanto tempo o gato demoraria pra comê-la?

- Que tal a tia Rosa pedir pro tio Diogo fazer umas chipas de queijo? – sugeriu a Pipoca.

- Muitas quantas? Precisaria ser centenas. Coitado do tio! – falou a Azeitona.

- E se todos os ratos esquentassem o queijo e fizessem fios com ele, poderiam montar uma armadilha pro gato ... falou o Teco.

- ... que comeria tudo num segundo! Arre! Cada idéia de jerico! – gritou a Jujuba, toda nervosa com seu boné de aba para trás.

- Quem iria acender o fogo? Onde tem fogão pra rato cozinhar? – perguntou o Teco

- Não dá certo! O rato é muito pequeno pra enfrentar tudo isso. Seria preciso um batalhão deles pra apenas tentar assustar o gato. O melhor seria mesmo mudar de casa, ponderou a Tata.

- Mas em todas as casas tem um gato! – explicou a Tuca.

- Não mesmo! Aqui não tem! – exclamou a Azeitona.

- Mas tem a gente, ué! E não vamos deixar rato algum entrar pela casa e saracotear seu rabinho por aí – falou o Pingo. Só se for os da tia Rosa.

- Lá na USP tem ratos do campo, falou o Bim. – Não sei o que eles comem ... preciso investigar! Será que são eles quem roubam as comidas da geladeira da copa onde mamãe guarda a marmita? Nossa! Será que é por isso que os queijos somem? Tia Lorena precisa ficar atenta.

- Meninos e meninas! Não se desviem do assunto. Quero saber qual a saída pros ratos não caírem nas garras do gato, disse tio Chicão.

- Não sei! Sei lá. Quem sabe? – foram exclamações vindas de todos os lugares.

- Então vocês já têm a resposta! Disse tio Chicão.

- Como assim? Temos a resposta e não sabemos qual é ela? Que quer dizer isso? – exclamou a Pipoca.

- Simples, disse a Chica. – Não temos a solução e por isso a questão está solucionada. Não se tem o que fazer!

- Perfeito, senhora Chica, exclamou tio Chicão. – É isso mesmo. Não tem resposta. É isso!

- Mas peraí, reclamou a Lua. Que coisa besta é essa? História que não tem solução? Não pode! Esse negócio de fábulas é muito chato. Pra que serve uma história que não tem fim?

- Também acho chata, reclamou a Azeitona.

- Não é não, exclamou a Tata. Eu gostei.

- Eu também – disse Lulu enquanto alisava o pelo.

- Meninos e meninas. A moral da história é de que é fácil falar-se de projetos, de se construir soluções no ar e que na prática se mostram inviáveis. Foi isso: inventar a solução é uma coisa, fazer é outra.

- Entendi, tio Chicão, exclamou a Lua. – É como a gente pensar em fazer pães de queijo e não ter queijo. É isso? Ou então não ter forno?

- Mais ou menos, menina Lua. – Próximo a isso! Temos que planejar as nossas ações contando com as nossas limitações, fazendo o que nos é possível. Ficar imaginando soluções mágicas, vindas do ar, do nada, apenas nos leva a frustrações.

- O que é frus-tra-ção? – perguntou Tetê.

- É o mesmo que ficar sem obter os resultados que se esperava. Entendeu? – explicou a Sasha olhando de soslaio pro Pingo. – Mas continue tio Chicão.

- Certo, menina Sasha. Porém, não fazer nada e apenas se lamentar também não nos leva a lugar algum. Mas tem outro ensinamento que vocês tiraram desta fábula e de quem gostaria que falassem: o de trabalharem em conjunto. Tudo fica mais fácil se as pessoas pensarem juntas, se associarem e trocarem experiências. Todos aprendem.

- Isso é uma verdade, falou Jujuba.

- Agindo juntos chegam à melhor solução, explicou tio Chicão. – E todos ganham! Não importa quem teve a maior ou a menor idéia porque todo o grupo saiu vencedor, mesmo que não se tenha conseguido chegar a um final feliz.

- É isso aí! Exclamou a Lua. Mas agora eu tenho uma dúvida.

- Qual menina Lua? – questionou tio Chicão.

- Vou ter que dividir o meu pão de queijo com essa tal associação pensante? Não mesmo! Não vou! Não tem esse negócio de que “todos ganham” com os meus pães de queijo que eu trouxe da casa da Tia Cris. Ela deu eles apenas pra euzinha!

- Menina Lua! Nada de pão de queijo! Apenas ração! – falou tio Chicão.

Mas era tarde demais. A Lua nem ouviu. Saiu correndo para sua caixa de dormir onde se escondeu. Todos podiam perceber o seu focinho se mexendo embaixo do edredom. Nhac, nhac.

- Essa menina Lua! Com certeza vai dar trabalho! – exclamou tio Chicão ao mesmo tempo em que se punha a pensar na próxima fábula que usaria para o Pão de Queijo Filosófico do dia seguinte.

Marly Spacachieri
Fevereiro/2011