sábado, 2 de julho de 2011


ENCONTRO INTERNACIONAL PARA ESTUDOS SOBRE O QUEIJO – EIEQ

A turma estava atenta porque a Lua se aquietara desde que a mãe viajara para um congresso no Rio de Janeiro. A branquinha ficava deitada rente a porta de entrada do apartamento suspirando de tempos em tempos.  Nem mesmo ia dormir em sua caminha. Tão pouco o Fefelinho, que ela sempre tentava roubar do Bim e que lhe foi oferecido, causou algum interesse. Tio Chicão achou que depois de algum tempo a branquinha deixaria essa tristeza de lado e passaria a fazer as travessuras de sempre, mas teve que reconhecer que isso não estava acontecendo. A mãe viajara na segunda-feira e desde então a filhote não saía da beira da porta de entrada; já era quarta-feira. Dormia um tantinho, de repente acordava sobressaltada, levantava as orelhas e ameaçava abanar o rabinho para logo em seguida ficar triste e de orelhas murchas.  Suspirava e voltava a deitar.
O Pingo ficava aflito porque a filhote não queria brincar de nada. Nem mesmo veio farejar o papel do lanche do amareludo! O que será que estava acontecendo com a menina Lua? A Azeitona se aproximou dela e convidou-a para verem a paisagem da janela.

– Não quero, disse a Lua. – Não tem nada lá!

- Coisa grave, tio Chicão! – exclamou a Pipoca. – Se a Lua não quer ver a janela, tem coisa grave por perto! Nem está latindo pra faxineira lá fora! Gravíssimo! A gata da vizinha veio até a porta e miou e a Lua não se importou. Desesperador!

- Já sei! – gritou a Lulu. – Vamos pegar um pedaço de pão de queijo e oferecer a ela.

- Mas quem tem um pão de queijo, Lulu? – indagou a Tila.

- A Tuca tem. Ela sempre traz pães de queijo celestiais, daqueles perfumados, mas que não fazem mal aos cachorros porque são feitos com leite das vacas sagradas, respondeu a Tata

Na mesma hora a Tuca apareceu com alguns pães de queijo quentinhos que exalavam um aroma que despertou até o rato de pelúcia do Bim. Colocou o prato próximo da branquinha e .... nada! Apenas mais e mais suspiros tristes.

- Pelos queijos bentos do leite da vaca venerada! –exclamou o Teco. – Se ela não avançou é porque realmente está triste, sem apetite. Nunca pensei em ver a Lua desdenhar um pão de queijo.

E a branquinha suspirava e olhava a porta. Quando o telefone tocou ela levantou correndo para ficar perto do papai que o atendia. Ao ouvir a voz do outro lado da linha – e os cachorros conseguem ouvir tuuuudo – o rabo da Lua balançava rapidamente.

- É saudade da mamãe, disse a Tila. – Ela está triste porque a mamãe viajou para o Rio por causa daquela tal de Zambézia. Essa Zambézia é uma chata!

- Nada disso, menina Tila, disse Tio Chicão. – A mamãe foi fazer uma apresentação especial e precisava se deslocar para o Rio de Janeiro. Era preciso. Isso não pode deixar a menina Lua tão triste assim. Precisamos fazer alguma coisa, mas confesso que nem sei o que!

Numa última tentativa, Kousky se aproximou da filhote e convidou-a a se juntar ao povo. Ela disse:

- Nem pensar! Minha mamãe vai chegar e eu preciso estar aqui, atenta, esperando.

Deu uma dó imensa em todos os corações caninos. E se tivesse um gato, um penudo ou mesmo uma tartaruga, com certeza eles também ficariam tristinhos com a fala da branquinha.

- Tio Chicão, isso não pode ficar assim. Ela já não come há 2 dias. Vai ficar fraquinha e pode adoecer – falou a Lulu.

- Realmente, meninos e meninas, a tristeza da menina Lua está se tornando preocupante – falou o velho cão.

- É mesmo! Nunca vi a Lua rejeitar um farelo de queijo, quem dirá um pão inteiro! – falou um Pingo muito seriamente. – Temos que fazer com que ela se distraia e esqueça a viagem da mamãe. Se não for assim, vamos ter que mandar um cãolular para que ela volte rapidinho.

- Nossa, Pingo. E a Zambézia? Como fica a Zambézia? – falou a Azeitona. – Depois de tanto trabalho, de dias fazendo o tal texto, a mamãe não pode perder essa chance de apresentar a Zambézia para todo mundo.

- Isso é! A Zambézia precisa ser vista por todos – falou a Sasha.

- Mas não podemos deixar a Lua nessa situação de tristeza – falou a Tuca. – Temos que fazer alguma coisa que ela goste e que a tire desse sofrimento.

- Isso é! Mas o quê? – perguntou o Teco.

- Queijos. Muitos queijos! – falou a Tila.

- Mas ela nem quis o pão de queijo que a Tuca deu! – respondeu a Tetê.

- Podemos inventar uma brincadeira onde ela participe tanto que se esqueça da viagem da mamãe. E que dure até ela voltar – disse o Teco.

- Essa Zambézia!!! – rosnou a Jujuba. – Se eu pegá-la .... rrrrrrrr!!!

- E se a gente brincasse de escola? sugeriu a Sasha. – Ela sempre gosta de dar aulinhas!

- Não! Nem pensar! Fora com isso! – gritou a Jujuba. – Estou fora! Apesar de que ... se é para a Lua voltar a infernizar a Azeitona, eu até topo. Porém, que não se fale sobre a Zambézia.

- E se a gente fizesse um evento especial para a Lua? Podíamos pegar um assunto que ela gosta e fazer uma apresentação. Daí ela vai se envolver, se empolgar e ficar menos triste, - sugeriu a Tetê.

- Senhora Tetê, grande idéia – exclamou Tio Chicão. – E qual seria esse assunto?

- QUEIJOOOOO! Responderam todos ao mesmo tempo.

- Meninas e meninos, acho que podemos montar uma brincadeira com os queijos e a menina Lua – falou Tio Chicão. – Vamos montar um encontro de cachorros sobre os queijos. A menina Lua deve se interessar.

- Boa, tio Chicão – falou o Bim. – Mas ... como é que vamos fazer isso? Eu sei que um encontro acadêmico tem que ter apresentação de trabalhos, de pesquisas e coisas assim.

- Isso mesmo, Bim. Vamos fazer desse jeito, falando de queijos – falou a Tata. – Precisamos de um material de onde possamos tirar os trabalhos para a apresentação. Aí cada um de nós prepara a sua parte e depois vamos mostrando a todos.

- Parece bom. Na biblioteca da mamãe deve ter coisas sobre queijos – falou a Pipoca. – E depois de algum tempo podemos parar e fazer um lanchinho. Aí a Lua se alimenta.

Nem mesmo falando isso tudo conseguiram obter a atenção da Lua que continuava suspirando deitada rente à porta. A idéia parecia ser boa, mas a branquinha tinha que participar porque somente assim deixaria aquela tristeza de lado. Tio Chicão teve uma idéia!

- Menina Lua, venha cá – latiu o grandão.

Lua levantou-se bem devagar e quase se arrastando chegou perto do Tio Chicão. Orelhas baixas, focinho triste, olhinhos lacrimejantes.

- Sim, tio.

- Menina Lua. Estamos todos muito preocupados porque a mamãe viajou para o tal encontro, onde vai apresentar seu trabalho sobre a Zambézia, e soubemos que ela está infeliz porque acha que estamos tristes. Eu ouvi o papai falar com ela num tal iscáipe. Daí que precisamos fazer alguma coisa para que ela fique despreocupada e apresente o tal trabalho com tranqüilidade. A menina Lua concorda? – falou pausadamente tio Chicão.

- Claro, tio. Essa Zambézia é uma pedra nas nossas patas, mas .... a mamãe resolveu levá-la junto! Fazer o quê! – resmungou a branquinha. – Como podemos ajudar?

- Pois é, menina Lua. Pensei que poderíamos fazer um encontro do mesmo jeito, mas aqui em casa. Assim, quando a mamãe chegar iremos mostrar a ela que existem outros assuntos tão interessantes quanto os dela, que ela pode continuar estudando a Zambézia porque temos nossos estudos também. Para isso acontecer precisamos da menina Lua porque a menina Lua é quem mais conhece os gostos da mamãe – falou Tio Chicão.

- Isso é! Euzinha! É mesmo! Podemos sim! Vamos fazer um encontro para discutir ... – falava atropeladamente a Lua com o rabinho abanando e as orelhas em pé.

- Pão de queijo? - falaram todos os demais ao mesmo tempo.

- Não! Pão de queijo não se discute; se come, ora bolas – respondeu a Lua. – Vamos falar de algo mais requintado, mais acadêmico e tão saboroso quanto.

- O que pode ser então? Perguntou a Tila

- Queijos! Podemos fazer um Encontro Internacional para Estudos sobre o Queijo – EIEQ – falou apressadamente a Lua, mostrando que o caminho armado pelo tio Chicão, com a idéia da Tetê, estava totalmente certo. Ela saltava de uma pata para a outra!

- Eiequê? Que coisa ruim de falar – exclamou o Teco.

- Todo congresso, simpósio ou mesmo um encontro acadêmico tem um título – explicou o Bim. – Acho que o título que a Lua deu está muito bom porque nos encontros os participantes mostram seus estudos sem precisar concluir nada. Fica bem do nosso tamanho.

- Vamos então? – perguntou a Pipoca.

- Sim. Vamos sim! – responderam os demais.

- Meninos, vamos fazer a coisa certa. Temos que dividir as tarefas de cada um. Todos terão que fazer seus trabalhos e depois explicar aos demais. Tudo muito certo e sério. Entenderam? – falou tio Chicão. – A mamãe tem que ficar orgulhosa de nós.

- Sim! Todos gritaram, exceto a Lua, que reivindicou para si o cargo de mediadora das discussões. Ela ficaria sentada perto da porta de entrada, com as orelhas atentas nos passos que poderiam ser da mãe e, ao mesmo tempo, com o focinho nos trabalhos apresentados pelos peludos. Todos concordaram.

Durante o resto do dia a matilha se dispersou pelos cantos, cada um buscando um tema para apresentar. A coordenação ficou com Tio Chicão, responsável por fazer a introdução. O tema central escolhido era “O processo histórico do queijo” e que será apresentado na abertura do evento.

- Bem melhor que aquela tal Zambézia! Lá nem deve ter queijos! Hunf! – resmungou a Jujuba enquanto virava seu boné ao contrário e se debruçava sobre um livrinho que falava em queijos mofados.
Niterói
Maio/2011

sábado, 7 de maio de 2011

CARTAS NA MESA E ..................................... PÃO DE QUEIJO NA BOCA!!!!

Toda a matilha estava preocupada com a Lua. De uns tempos para cá ela dera para ficar com as patas esparramadas no chão, deitada sobre a barriguinha e tentando esconder o que fazia. Bastava um dos cachorros aparecer para ela esconder algo embaixo das patas dianteiras. Contudo, uma coisa ficou clara: ela estava sempre se debruçando sobre pequenos pedaços de papel, hora roendo suas bordas, hora batendo neles com a pata como se colando algo. Também lambia alguns. Tudo muito esquisito. Tio Chicão ficou preocupado com as atitudes da Lua e chamou-a para uma conversa particular no canto da sala de visitas, em cima do seu tapete preferido.
- Menina Lua, o que a menina está fazendo?
- Euzinha? Nada de nada. Estou apenas brincando com minhas coisinhas – respondeu a branquinha.
- Que coisinhas são essas? – perguntou Tio Chicão
- Coisinhas, ora! Coisinhas são coisinhas, tio. Mamãe sempre disse que todos nós temos nossas coisinhas que fazem nossos tesouros. Não é assim? O Tio não tem suas coisinhas também?
- Sim, menina Lua. Todos nós temos nossos pequenos tesouros que são valiosos, muitas vezes, apenas para nós.
- Então! Eu tenho os meus tesourinhos ...
- Mas a menina Lua anda muito quietinha, deitada no chão, roendo e lambendo papéis que não se sabe de onde vieram e que podem fazer mal à saúde dela – falou Tio Chicão.
- Não são papéis errados. São papéis certos – respondeu a branquinha.
- E o que são papéis certos e papéis errados? – perguntou o Pingo que estava já com a orelha comprida em direção à dupla. – Nunca soube disso. Sempre achei que papel era papel, nada mais que papel.
- A menina pode explicar o que entende por papel certo? – falou tio Chicão.
- Papel certo, tio, é aquele que traz coisas boas. Assim como os livros que a tia Cris mandou pro Sebo do Bim e que depois de vendidos acabaram dando dinheiro para a cirurgia dele. É sim. Também tem os papéis bons que são as cartas lindas que a gente recebe dos amiguinhos e amiguinhas. E tem os papéis suuuuuper certos e bons que são os que embrulham os pães de queijo. Esses são lindíssimos – explicou a branquinha.
- E os papéis errados? – perguntou o Pingo
- Papéis que trazem coisas ruins, mentiras e coisas assim. Tem papéis que estão cheios de letrinhas que fazem as pessoas sofrerem e chorarem – falou a branquinha.
- Nossa! Que coisa! Nunca tinha pensado nisso – falou a Tuca que estava atrás do sofá espiando.
- Nem eu – falou a Azeitona. – Mas tem razão. Tem muito papel ruim por aí. A gente, quando faz xixi em cima do jornal, aproveita e vê as notícias. São de arrepiar pelo de poodle tosado no zero.
- Mas afinal, Lua – perguntou a Pipoca – que papéis são esses que você tanto roe e lambe para depois ficar estapeando?
- Cartinhas! São minhas cartinhas! Estou fazendo um jogo de cartas com meus papéis de pão de queijo, respondeu a Lua. – Quero brincar na casa da tia Cris com elas.
- Como assim? Jogos de cartas de pães de queijo? – perguntou a Tetê. – Eu sempre vi jogos de cartas com figuras de reis, rainhas e príncipes, mas nunca de pães de queijo.
- Por isso mesmo é que eu estou fazendo um, ora bolas! Com um jogo de cartas de pães de queijo a gente pode jogar Buraco de Queijo, 21 Queijos, 7,5 Queijos, Pôquer de Queijo e outros queijos que aparecerem – explicou a Lua, toda empolgada. – E eu estou fazendo as minhas figurinhas virarem cartas de jogos, por isso roí as bordas e colei alguns desenhos que encontrei. Mas ... não está dando certo porque não ficam grudados.
- Claro que não, Lua – explicou a Tila. Nada gruda com saliva. Você tem que usar uma cola e ...
- Nem pensar! Nem pensar! – gritou a Jujuba. – Se alguém der cola para essa amalucada ela vai colar o mundo todo. Não mesmo!
- Que exagero, Jujuba. A Lua está apenas tentando criar um jogo de cartas que ... – falou o Kousky.
- Que idéia! Onde já se viu cachorro com jogos de cartas? Cachorro tem que cuidar de ossos, pulgas e gatos. Apenas isso! – reclamou a Jujuba.
- Menina Jujuba, não é assim que se fala. A menina Lua está tentando fazer um jogo usando sua imaginação e os conhecimentos que tem do assunto. Não se pode simplesmente jogar fora o que ela pretende porque pode parecer esquisito vindo de um cachorro.
- Cadela, tio! Cadela! Reclamou a Lua já fazendo bico de choro.
- Também acho, falou a Tata. – A Lua pode e deve fazer seus brinquedos usando o que sabe e o que tem. Se possui papéis de embrulho de pães de queijo, que sejam eles! Mas, Lua, o que você sabe sobre essas figuras dos jogos de carta dos humanos.
- Tia Tata – falou a branquinha levantando as orelhas – eu sei que essas tais cartas foram criadas na França entre os anos de 1422 e 1461.
- Nos finais da meia idade? – perguntou o Teco.
- Idade Média, Teco. Idade Média – falou a Sasha.
- Isso mesmo, Sasha. Essas figuras eram oito homens e quatro mulheres – falou a Lua.
- E alguém sabe quem são elas? – perguntou a Chica.
- Como assim? Quem são elas? Ninguém, ué! – falou a Lua.
- Nada disso, menina Lua. Esses personagens têm nomes sim – explicou tio Chicão.
- Então não são apenas desenhos? – perguntou a Lua franzindo a testa, sinal que estava tendo idéias. Quem sabe colocar as fotos do papai, da mamãe, da tia Cris, da tia Lorena, da tia Rosinha ... Hum!!!!
- São desenhos de possíveis personagens, algumas lendárias e outras de maior probabilidade de terem existido – falou Tio Chicão. – Se a menina já viu um baralho de cartas deve ter notado que existem duas cores: o vermelho e o negro, cores essas divididas entre os símbolos que acompanham as cartas e que se chamam naipes.
- Não entendi – falou a Pipoca. – O que são naipes?
- São os desenhos, pequenos símbolos que fazem com que as cartas que os possuam sejam da mesma família – explicou Tio Chicão.
- Assim então se eu quiser fazer uma família de naipes vou ter que colocar os mesmos símbolos nas cartas correspondentes? Se quiser um naipe de gorgonzola vou ter que colar gorgonzolinhas nas minhas cartinhas? – perguntou a Lua.
- Certo, menina Lua. De certa forma é essa a idéia – falou sorrindo o Tio Chicão. Essa menina tinha uma imaginação e tanto, mas entendia as coisas com extrema rapidez.
- Complicou! Onde vou achar parmesõezinhos, queijinhos pratinhos, gorgonzolinhas e mussarelinhas para colar? – perguntou uma angustiada Lua.
- Mas precisa ser assim, Tio Chicão? Não pode ser algo mais simples – perguntou o Pingo solidário com a branquinha e de olhos compridos na Sasha.
- Claro que sim, menino Pingo. Esses símbolos existentes nas cartas que os humanos usam para jogar são simplesmente corações, pás, diamantes e trevos, mas que acabaram recebendo outros nomes como copas, espadas, ouros e paus. A menina Lua pode apenas fazer desenhos simples desses queijos que deseja transformar em naipes e colocar em cada família de suas cartas – explicou Tio Chicão.
- Obaaaaaaaaa. Vou pedir pra tia Cris me mandar uma foto de cada um desses queijos e eu vou fazer os desenhos. Vai ser uma “naipada” só! – saltitou a branquinha.
- Menina Lua! Que é isso de “naipada”? Onde arranjou essa palavra? – perguntou Tio Chicão.
- Daqui, ó – falou a Lua enquanto apontava a cabeça com sua pata direita dianteira.
- Mas tio Chicão, quando a gente olhar os naipes que a Lua vai desenhar vai perceber o que são: queijos diferentes uns dos outros, certo? Mas quem são essas figuras que têm nas cartas dos humanos? – perguntou a Lulu.
- Excelente questão, mocinha Lulu – respondeu Tio Chicão. – Realmente essas imagens têm nomes e referem-se a alguma figura que pode ter existido ou ser apenas uma lenda.
- Como assim? Uma lenda? – exclamou a Jujuba. – Então a gente pode estar olhando para uma figura de ninguém?
- Mais ou menos assim, garota Jujuba. A figura pode ser representativa de uma lenda, de uma idéia, de um símbolo. Isso lhe dá uma identidade que ....
- Pode parar, Tio Chicão, porque está embolando a minha cabeça – exclamou o Teco.
- Garoto Teco, o que quero dizer é que aquela figura pode estar representando alguém ou algo. Isso lhe dá um corpo – tentou explicar um confuso Tio Chicão.
- Pelo que sei, o rei de espadas é a imagem representativa do rei Davi, o rei de Israel, que matou o gigante Golias, mas que aparece na carta com uma espada na mão – falou o Kousky.
- Pelos ossos sagrados! – exclamou o Pingo. – Esse branquinho me espanta. De onde ele tira essas informações? Será que ele sabe de antemão o que vai rolar no pão de queijo da Lua e se prepara? Não pode ser que ele tenha tantas informações! Tem coisa aí – resmungou o amareludo.
- Pois bem, menino Kousky. Fale-nos sobre as demais cartas – falou Tio Chicão sentando-se no seu tapete azul.
- Vamos ver. Vamos ver. O rei de paus é o Alexandre, o grande, que conquistou impérios na antiguidade. Já o rei de ouros é Júlio Cesar, um dos grandes imperadores da Roma antiga. É interessante que ele aparece de perfil, como era o costume na Roma antiga. Já o rei de copas é Carlos Magno, um dos grandes homens da Idade Média que com seus exércitos segurou o avanço dos muçulmanos do então território tido como sendo Europa. Ele não tem bigode como todos os demais e sua espada está levantada – falou o Kousky.
- Ai e ai – suspirou a Lulu enquanto olhava para o Kousky. – Esse branquinho é tuuuuudo.
- Muito bem, meu jovem – falou Tio Chicão. – Mas e os príncipes e as rainhas?
- Dos príncipes eu entendo – falou a Azeitona. – Posso falar? Posso? Hein?
- Fale, menina Azeitona. Estamos ansiosos pelas suas informações.
- Boooom ...
- Vai começar a enrolação – resmungou a Jujuba.
- Jujuba! Deixe a Azeitona falar! – gritou a Pipoca.
- HUNF! – disse uma Jujuba de boné virado e roendo as unhas das patas dianteiras.
- A dama de paus é a Marie de Anjou ...
- Marrídanjú? – falou a Lulu
- É francês, Lulu. Marie de Anjou foi a rainha da França casada com Carlos VII. E tem algo muito interessante porque esse rei, o tal Carlos VII, tinha uma amante chamada Agnés Sorel que é a figura da dama de ouros. Muitos dizem que essa figura da dama de ouros representa a esposa do patriarca Jacó, dos tempos bíblicos, a sra. Raquel e foi escolhida pela sua beleza para “sugerir” ser a imagem da Agnes. Já a dama de copas é a sra. Judith da Baviera, nora de Carlos Magno ...
- Pronto! Tá lá o nepotismo. Isso é mais velho que o mundo! – exclamou a Tila.
- .... e era uma mulher afeita às conspirações. Já a dama de espadas é a tal figura mitológica ...
- Lá vem a mentira! – resmungou a Jujuba.
- ... Atena, uma deusa grega da guerra da sabedoria. Aproveitou-se a sua imagem para homenagear a Joana D’Arc e em sua mão aparece um punhal – completou a Azeitona.
- Quem foi Joana Darque? – perguntou a Lua.
- Joana D’Arc foi uma mulher corajosa e lutadora que ajudou a Carlos VII a obter muitas vitórias contra a Inglaterra na Guerra dos Cem anos...
- O quê? Lutaram por cem anos? – gritou a Lua – Mas que coisa besta ...
- Não, Lua. Foram 116 anos porque durou de 1337 a 1453 – explicou a Sasha.
- Piorou! Além de besta ainda não sabe fazer conta? Que gente era essa? – resmungou a branquinha.
- Muito bem, menina Azeitona. Estou muito contente com suas informações. A menina anda se aplicando às leituras? – perguntou Tio Chicão.
- Bom, tio. Para ser honesta com o senhor e com todos os outros eu confesso que achei essa informação numa das inúmeras revistas que vêm dentro dos sacos de jornais velhos que meu papai recebe para colocar nos nossos xixis.
- Então, menina Azeitona, continue e fale sobre os príncipes das cartas de jogar – falou Tio Chicão.
- É isso aí, Azeitonona! – gritou a Lua. – Vamos até o fim! Arranque todos os caroços dessa história.
- Mais que isso não sei de cor não. Vou pegar a reportagem – e levantou a patona do chão e de lá tirou algumas folhas de revistas bem dobradinhas. – Então ... os príncipes são: o de copas que é a representação de um cavaleiro francês chamado La Hire e que se destacou na Guerra dos Cem Anos ao lado de Joana D’Arc ...
- Não disse! Não disse! Lá está a falcatrua no ar: a tal Joana do arco e a guerra dos cem anos que durou 116. Pode isso? Não é para ficar nervosa? Para sair mordendo? – latiu a Jujuba.
- Jujubinha – disse a Pipoca – tome este chá de erva doce com camomila para se acalmar.
- Quem está nervosa? Quem? QUEM? – gritou a Jujuba
- Senhorita Jujuba, tenha modos – reclamou Tio Chicão. – A senhorita está gritando e não tem porque fazer isso. Afinal, o que tem de errado em Joana D’Arc ser citada nas cartas de jogar? E ela realmente é uma heroína do povo francês na guerra contra a Inglaterra conhecida como a dos Cem Anos.
- Peraí! Se entendi bem as damas eram de países diferentes? De inimigos? – perguntou a Tete.
- Sim, senhora Tete – respondeu Tio Chicão. – Mas nas cartas ficaram separadas pelos naipes diferentes.
- Tá certo isso – exclamou a Lua. – Imagine se eu coloco o parmesão com o gorgonzola! Não se dão! Podem grudar! Muito perigoso!
- Voltemos ao relato da menina Azeitona.
- Bom, o príncipe de ouros é o Príncipe de Troia, da Ilíada, um poema épico de Homero ...
- Vou fazer de conta que entendi e que sei quem são esses daí porque senão vai ver tanta explicação que este pão de queijo vai ficar esticado demais – cochichou o Pingo ao Teco.
- Ele teria morrido num duelo contra o herói grego Aquiles e por isso é representado com uma espada virada para baixo. Já o príncipe de espadas é o Ogier, um cavaleiro dinamarquês fictício que aparece em poemas épicos medievais. Nesses poemas ele aparece como aliado de Carlos Magno. E por último, o príncipe de paus é o famoso sir Lancelot, da corte do rei Arthur. É isso.
- Bom, menina Azeitona. Apenas faltou dizer de onde tirou tudo isso – falou Tio Chicão.
- Foi de uma revista que não está escrita aqui. Prometo procurar e dizer aqui.(*)
- E agora, menina Lua? Já sabe como fazer? – perguntou tio Chicão.
- Já sei sim. Vou recortar oito imagens de queijos e pedir para a minha mamãe colocar naquela máquina que faz as coisas ficarem pequeninas. Depois ela vai me dar de volta para eu colar nas minhas figurinhas – explicou a branquinha.
- Que máquina é essa, Lua? – perguntou a Tata.
- Máquina Xerox, tia Tata. -
- E depois disso?- perguntou tio Chicão.
- Bom, depois disso vou montar o meu jogo de cartas, pegar minha malinha e ir pra a casa da tia Cris jogar o Jogo dos Pães de Queijo com ela. Vou sim. Depois deixo as figurinhas para ela sempre se lembrar de euzinha. Assim ela deixa de ficar lendo o blog do goooordo e me dá atenção! (**)
E lá se foi a branquinha com suas figurinhas nas patas, buscando auxílio da mãe para montar um jogo onde o prêmio fosse um super pão de queijo.


Abril/2010
(*) A Azeitona sempre cumpre o que promete: Revista Super, de dezembro de 2010 e da matéria da sra. Juliana Sayuri
(**) http://bigblogdobim.blogspot.com/

segunda-feira, 11 de abril de 2011

SE TOMO UM BANHO DE LUA! FICO BRANCA COMO A NEVE???




- Lua. Onde você está? Luaaaaaaa. Cadê essa cadelinha? – perguntava a mamãe da matilha. – Hoje é dia dela tomar banho e eu já estou atrasada. Luaaaaaaaaa.

E nada da branquinha aparecer. Era um tal de levanta almofada aqui, procura lá dentro do armário, abre aquela porta da sapateira, vasculha o cesto de roupas sujas e nada de achar a Lua.

- Tio Chicão, o senhor sabe onde está a Lua? – perguntou a Pipoca. – Mamãe disse que hoje é dia de banho e ela sumiu desde cedo. Nem veio tomar seu leite de soja. Será que aconteceu alguma coisa? Com tantos seqüestros por aí ....

- O que aconteceu é que a menina Lua não quer tomar o banho e se escondeu. Apenas isso, Pipoca, respondeu tio Chicão. – Mas a menina Lua vai ser achada em breve porque a mamãe tem um atrativo super especial: pão de queijo quentinho. Sinta o cheiro vindo da cozinha.

- Obaaaaaaaaaa, latiu uma vozinha de dentro do armário de roupas de cama. – Lá vou euzinha comer os pães de queijo e ....

- E nada, mocinha! Já para o banho, disse uma mamãe muito nervosa. Pegou a Lua e levou diretamente para o banheiro. Tempos depois saía de lá uma Lua emburrada, mas perfumadíssima. Ganhou um pedacinho de pão de queijo, comeu e nem assim ficou feliz. Coisa grave!

- Garota Pipoca, chame todos os demais. Acho que temos que falar um pouco sobre a água, disse tio Chicão.

- Água? Mas o que tem a ver agora a água? Basta que as nossas vasilhas estejam cheias e limpas que me basta saber dela, reclamou a Jujuba.

- Jujuba, cara senhorita – exclamou tio Chicão – não basta apenas ter a água para se tomar. É preciso mais que isso. Água é essencial para a vida.

- E daí? A água está na torneira e a gente vai e pega, usa e pronto! – respondeu uma Jujuba já nervosinha.

- Ou toma chuva, pisa na poça, rola na lama – exclamou o Pingo, que adorava uma lambança.

- Mas de onde saiu toda essa água? – perguntou tio Chicão.

- Daquele chuveiro horroroso, cheio de furinhos, que a mamãe usa pra dar banho no meu pelinho branco. É sim – exclamou uma Lua emburradíssima.

- Nem sempre é assim fácil de se obter a água, menina Lua. O banho é algo essencial na vida de todos os seres e mais que beleza e perfume; é saúde. Nos tempos mais antigos, já se usava tomar banho como forma de prazer e de terapia. Os cachorros egípcios tomavam banhos até três vezes ao dia.

- Nossa! Vai ver que é por isso que tem múmias deles ainda por aí com pulgas faraônicas! Devem ter se encharcado tanto que nunca mais secaram – exclamou a Azeitona. Ela alimentava a idéia de que com ancestrais africanos era uma reencarnação de uma cadela egípcia que acreditava chamar-se Tut-sem-raça II. Quem sabe? E como era uma cadela que tomava água o dia todo... Combinava, não?

- Já no período do império grego, os banhos eram uma forma de se educar os jovens. Eles deveriam ler e nadar - continuou tio Chicão

- Então eles tinham livros-bóias? Como liam enquanto tomavam banho? – perguntou a Tetê.

- Não! Os ensinamentos eram divididos com horários próprios. Numa hora estudavam, noutra nadavam, ambos tidos como instrução essencial à vida – disse tio Chicão.

- E o pelo secava como? Usavam protetores contra o sol? Tinha água salgada? E os cremes .... – dizia atropeladamente a Lulu enquanto se penteava.

- O corpo era tido como um templo a ser cultuado e cuidado. Por isso, os gregos eram conhecidos como os mais belos entre seus pares.

- Mas tio Chicão, nem sempre ficou assim, não é? – perguntou o Teco. – Li que na tal meia idade as coisas se complicaram e os cachorros eram fedidos.

- Idade Média, Teco. Idade Média! O período que vai do século IV até o XIV, mais ou menos, resmungou a Lua.

- Nossa! Às vezes ela surpreende mesmo! – exclamou a Tuca. – De onde ela tira isso?

- Quando está se aproximando do sábado, ela se esconde desde a sexta, na biblioteca da mamãe. Ela retira os livros e se esconde nas estantes, colocando-os de volta. Então, para passar o tempo fica lendo, mas fala para todo mundo que conversa com alguns seres invisíveis que ... - dizia a Tata quando ouviu o grito estridente da branquinha.

- Seres invisíveis coisa nenhuma! São bem visíveis sim. É o sabonete sem cabeça e a toalha de fio puxado que se arrasta pelo chão! – explicou a Lua. – Eles sempre me descobrem e ficam ameaçando me entregar se não contar uma historinha pra eles.

- Que tipo de historinhas pode querer um pedaço de sabonete e uma toalha defeituosa? – perguntou a Chica.

- Tia Chica, a senhora nem pode imaginar, exclamou a Lua. – Eles querem saber de coisas que assustam ...

- Como assim?

- Banhos! Querem saber dos banhos! Pedem detalhes sobre as bolhas de sabão, dos xampus, dos cremes de amaciar os pelos, dos pentes, das toalhas e das orelhas – explicou a Lua.

- Orelhas? O que tem as orelhas a ver com isso? – perguntou o Kousky.

- Tudo, caro branquinho. Tudo! Quando o sabonete entra pela orelha a toalha vai atrás buscá-lo.

- Minha nossa! Imagine a luta do sabonete com a toalha! Nele faltando a cabeça e ela perdendo fios! – falou o Pingo.

- E o que você faz, Lua? – perguntou a Sasha.

- Bom, como não tenho alternativa pego um dos livros e leio pra eles. Não podem ler porque ele não tem olhos e nem ela.

- Desta vez ela se superou! Cochichou Tuca para a Tetê.

- Pois bem, menina Lua. Então nos conte o que sabe sobre o banho na Idade Média – disse tio Chicão já se colocando mais relaxado porque sabia que aquela conversa iria render muito.

- Tá certo! Vocês sempre precisam dos meus ensinamentos, dos meus conhecimentos e por isso abusam e ...

- Menos Lua! Menos! – exclamou uma Tata séria.

- Tá certo, tia Tata. Vou falar o que sei. Na Idade Média os banhos ficaram praticamente proibidos. Os cachorros ficaram fedidos, grudendos e cheio de pulgas e carrapatos. Isso porque o tal Papa Gregório I, dos anos 590 a 604, dizia que tratar o corpo – e pros cachorros, o pelo – era estar próximo, praticamente dentro do pecado. O corpo era o depósito do pecado. Pode isso? Pra ele, ter pulgas e coceiras era um passo certo para por as patas no paraíso.

- Coisa fedida e nojenta, exclamou a Lulu. – Jamais ficaria ao lado do cachorro desse tal Papa. E muito menos dele porque devia cheirar muito mal. Não tinha creolina por lá não?

- Pois é, Lulu, - continuou a Lua. – Esses cachorros sofriam muito porque só podiam tomar banho uma vez ao ano e dentro de um único barril de água onde todos entravam e se esfregavam. Os pelos eram penteados com um pó que eles acreditavam tinha o poder de limpar os fios. E os perfumes eram fortíssimos!

- Credo! Ficavam mais sujos ainda! E as pulgas? Como ficavam as pulgas? – exclamou o Teco.

- Nojentas! Mais nojentas que os mais nojentos – falou Lulu, torcendo os bigodes diante de tanto nojo. – Pulgas sujas, ensebadas e perfumadas! Imagino na hora do banho a quantidade de pulgas e carrapatos boiando na água. Argh!

- Continuando, - falou a branquinha um tanto empolgada pela importância que estava tendo nessa aula do tio Chicão – E tinha o agravante de se esconderem porque mostrar o corpo era um pecado ainda maior. Durante os outros dias, depois daquele único banho anual, eles esfregavam as partes visíveis do corpo com panos úmidos e, com isso, as doenças saiam dançando pelos corpos de todos. Imagine o que havia se sarna pululando.

- Apenas um aparte para ajudar a nossa menina Lua, ponderou tio Chicão. – No período medieval a Europa foi arrasada pela peste negra, uma doença que vem da pulga do rato. Há relatos de que matou mais da metade da população de toda a Idade Média. Contudo, os judeus não eram infectados com a mesma freqüência que os cristãos. Isso porque tinham o hábito religioso de lavar as mãos antes das refeições e tomar banhos uma vez por semana. Os cristãos morriam com facilidade porque a religião os proibia de tocar seus corpos sob a pena de pecado mortal. Podiam apenas lavar as mãos e os rostos muito de vez em quando.

- Mas que coisa besta, exclamou a Jujuba. – Que deus podia querer fiéis cheirando tão mal e morrendo por causa da sujeira? E os cachorros?

- Com pelos e patas nojentas! Malcheirosas! Argh! Me sinto mal ... falou uma Lulu pálida na ponta do focinho.

- Calma Lulu, disse o Kousky, sempre atencioso. – Tenha calma que isso é apenas uma recordação de tempos em que não vivemos. Estamos apenas aprendendo. Está muito longe de nós.

- Não é bem assim não, Kousky – explicou a Lua. – Os anos depois do período medieval foram de crenças de que as doenças entravam nos corpos por meio dos poros que seriam então dilatados se colocados em contato com a água. Daí que o banho continuou como vilão da boa saúde, sendo apenas feitos sob prescrição médica. Isso ficou se arrastando ao longo dos séculos e só mudou por completo depois dos primeiros trinta anos do século XX. Imagine que até então, tomar banho era apenas um remédio. Por volta dos anos de 1930 ...

- Mas espere aí, Lua – exclamou o Pingo. – Tenho um amigo de pelo oriental que diz que o banho sempre foi algo de bom uso em seus ancestrais. Então, isso só deve valer para o Ocidente.

- É certo, menino Pingo, explicou tio Chicão, interferindo quando percebeu a fisionomia angustiada da branquinha. – No Oriente o banho sempre esteve presente como hábito de higiene e de saúde. Os muçulmanos, desde a antiguidade, valiam-se dos relaxamentos que os banhos e as massagens davam aos corpos dos homens, feitos em luxuosas casas de banho onde havia também o branqueamento dos dentes, a depilação e a maquilagem. Já no Ocidente cristão, essas práticas eram abominadas.

- Também os cachorros dos tempos dos achamentos das Américas não eram assim, não é? – perguntou a Pipoca

- Certo, garota Pipoca. Os índios da América do Sul adoravam nadar e se banhar nas cachoeiras que abundavam nestas terras – falou Tio Chicão. – E ficavam impressionados com os cheiros dos europeus, principalmente da população portuguesa que chegava da metrópole.

- Me contaram que eles, os cachorros nativos e os índios, farejavam embaixo das saias das mulheres em busca dos animais mortos que eles julgavam lá existirem e que geravam aquele cheiro ruim – falou a Tata. – E que os portugueses apenas esfregavam a pele quando suados porque acreditavam que trocar a roupa equivalia a tomar um banho, pois as peças brancas eram tidas como absorventes como esponjas que retiravam as sujeiras. Por isso também trocavam os punhos e os colarinhos sempre que os viam sujos. Mas sempre sem banhos.

- Vou vomitar! Parem tudo que vou vomitar! – choramingou a Lulu, tendo a pata apoiada pelo Kousky.

- Posso continuar? – reclamou a Lua, nervosa por estar perdendo o poder da palavra e com isso a atenção daquela platéia. – Voltando aos anos de 1930, no Ocidente os banhos ganharam espaço, mas eram feitos nos sábados quando então quando as mães trocavam as peças íntimas das crianças. Por esse motivo é que a gente brinca que sábado é dia de banho.

- Nunca imaginei isso! – exclamou o Teco. – Sempre gostei de tomar chuva e depois de molhado rolar na lama.

- Ouvi dizer que isso deixa o pelo macio, é verdade? – perguntou a Lulu.

- Não sei não porque logo que eu me enlameava já era colocado debaixo do chuveiro, fosse qualquer dia da semana – respondeu o Teco.

- Bom, disse a Lua – depois da segunda guerra mundial, lá pelos anos de 1945, os chuveiros foram difundidos e as casas que tinham condições os adotaram, tornando o banho mais habitual. Isso aconteceu principalmente para os cachorros franceses, ingleses e alemães.

- Foram esses países que mais sofreram destruições de suas cidades pelos ataques dos inimigos e tiveram que reconstruir seus imóveis. Aproveitaram isso e construíram alas de banhos contemplando-as com água encanada, - esclareceu Tio Chicão.

- E tem mais, falou a Lua. – Nem sempre existiu o sabão, o chuveiro e o xampu. – Quando os romanos e os gregos queriam esfregar os corpos o faziam se valendo de uma espátula de ferro de mais ou menos trinta centímetros que era untada com óleo de oliva.

- Eles viravam uma salada! – falou a Tila. – Se colocasse um vinagre e um sal ...

- Pois é, Tila. Mas tinha também um arranca cascão no Oriente feito com rocha ou cerâmica que era esfregado na pele para esfoliá-las! E depois passavam água de flor de laranjeira, pastas e perfumes.

- Tá melhorando o ar deste local – exclamou a Lulu

- Você não acha que a Lua está falando muito difícil? – cochichou a Azeitona para a Tuca.

- Se está! Acho que nem todos vão entende esta historinha. Mas, é melhor isso do que a velha e boa Zambézia, certo? Respondeu Tuca

- Certíssimo, companheira! – falou Azeitona.- Certíssimo!

- As mocinhas vão continuar cochichando ou posso continuar, - reclamou a Lua colocando as patas na cintura! – Posso continuar? Ainda bem! – Então, no Egito antigo misturavam bicarbonato de sódio, cinzas e argila para fazerem uma espécie de sabão. E tinha o problema da falta de água corrente para limpar o corpo. Como faziam? Hein? Sabem?

- Com jarros e bacias, ué! – exclamou o Pingo.

- Como assim? Como assim? Onde você leu isso? Onde? Copiou de euzinha? – choramingou a Lua enquanto o Pingo percebia que havia tocado no ponto fraco da branquinha. Ela ia chorar. Ia sim! Diante desse prenúncio de tragédia, o Pingo disse que havia visto num jornal cultural que o pai havia posto no chão para ele fazer xixi. Com isso acalmou a menina peluda e branquinha. Na verdade havia lido numa enciclopédia mas ... deixa pra lá!

- É isso – terminou a Lua. – Mais alguma coisa, tio Chicão? Quer que eu explique mais? – falou a cadelinha um tanto quanto altiva e orgulhosa.

- Sim, menina Lua – disse tio Chicão.

- Ué? Mais o quê? Tem mais? Não tem não! – choramingou a filhote.

- Sempre tem mais quando se trata de história, querida criança peluda e branquinha. Vamos voltar um tantinho no tempo. – falou calmamente tio Chicão, momento em que todos silenciaram e se reuniram em torno do velho pastor alemão. Sabiam que agora era hora de aprenderem coisa e coisas que valeriam para a vida toda.

- Vamos ver coisas limpas? – perguntou a Lulu.

- Menina Lulu, a humanidade não poderia ter sobrevivido por muito tempo se estivesse presa aos hábitos de falta de higiene. Os primeiros homens do planeta sabiam da importância da água porque sentiam sede e era nela que a saciavam. Ao mesmo tempo foram descobrindo a importância da água no manejar dos utensílios que produziam e nas construções que erguiam. Porém perceberam, e deve ter sido de forma mais rápida do que podemos imaginar, que as águas também podiam ser fontes de devastação ...

- O que é devastação, tio? – perguntou a Tila.

- Devastação é o mesmo que destruição.

- Entendi!

- Pois bem. As águas vindas pelas chuvas, pelas cheias dos rios ou mesmo das geleiras podiam destruir e até mesmo matar comunidades inteiras. Se era bom estabelecer-se nas beiras dos rios, cabiam algumas providências para evitar os desastres nos tempos das cheias, como manter uma distância segura ou ocupar um patamar mais alto que o das águas. Ao mesmo tempo, aqueles rios forneciam também meios de subsistência por conta dos peixes que eram pescados. Também serviam como meio de transportes, como foi o caso de um dos mais famosos rio da antiguidade, o Nilo.

- Ah! Onde os cachorros da Cleópatra tomavam seus banhos de beleza? – perguntou a Lulu.

- Certamente, menina Lulu, disse tio Chicão com uma ponta de riso na bochecha direita. Essa menina era muito ligada às coisas da estética. Até mesmo na história. – Voltando ao nosso ponto, os rios eram essenciais ao desenvolvimento das comunidades. Eram por eles que os barcos iam e voltavam, trazendo tudo aquilo que as pessoas precisavam para sobreviver. Alguém sabe o que traziam?

- Rações? Perguntou o Pingo.

- Claro que não, Pingo, disse a Tuca. – Biscoitos sim. Muitos biscoitos e ...

- Pães de queijo! Certamente milhares de pães de queijo .... dizia uma Lua saltitando.

- Tinha vaca no Egito, tio Chicão? Se não tinha, onde pegar leite pro pão de queijo da Lua? – perguntou a Azeitona.

- Isso eu sei, - disse o Kousky. – Li num livro da minha mamãe.

- Então explique, menino Kousky, falou tio Chicão.

Kousky deu um latido baixinho pra limpar a garganta e começou: - Os animais mais comuns e presentes no Egito antigo eram os bovinos usados para puxar carros e arados que serviam para preparar a terra e separar os grãos, ao mesmo tempo em que as vacas forneciam leite para toda a família. Os templos tinham seus próprios animais que eram sacrificados para alimentar os deuses dentro de rituais onde os sacerdotes e funcionários recebiam parte da carne como pagamentos. Dessa forma alimentavam vivos e mortos.

- Esse branquinho me surpreende sempre – disse a Lua baixinho pro Pingo. E o amareludo concordou, mas explicou que o mocinho em questão era filho da tia Cris e por isso um estudante eterno como ela. A Lua concordou e ficou feliz que nos tempos do Egito antigo deve ter havido muitos pães de queijo. É sim!

- Muito bem, menino Kousky. Então voltemos para as nossas águas nos tempos antigos. O gado precisava de comida vinda de pastos e água para beber. Só por essa amostra podemos sentir a importância dos rios, que também permitiam a vinda de todos os produtos que as aldeias precisavam. E assim é nos dias atuais. Com a evolução das técnicas, novas descobertas e inventos, surgiram os diques que seguravam as águas e as desviam para evitar que destruíssem cidades inteiras. Também foram construídos reservatórios de águas onde nos tempos de seca as águas podiam continuar a irrigar as terras e abastecer as aldeias. Muitos trabalhos que eram feitos por animais foram substituídos por máquinas movidas pela força das águas, como os moinhos com rodas hidráulicas. Os novos tempos trouxeram mais adjetivos para a água.

- Mas então, se a água é isso tudo, porque os homens deixam os rios estragarem? Tem rios sem peixes! – reclamou a Tetê. – Tem móveis, garrafas pet, carcaças de carros, pneus e tanta coisa assim!

- Isso realmente é um problema dos mais graves, senhora Tetê. – ponderou tio Chicão. –Parece que a humanidade se esquece que sem água não há vida.

- Gente burra, resmungou a Jujuba entre dentes, rosnando de leve e levantando o pelo perto da cauda, sinal de que estava pronta pra morder. – Os bichos não têm nada a ver com isso e são obrigados a viverem numa água podre, cheirando a decomposição e ....

- Pare! Pare ou começo a passar mal de novo, disse uma pálida Lulu, procurando a pata limpinha e perfumada do Kousky.

- Mas é verdade isso que a Jujuba falou, garota Lulu. E é daí que precisamos falar seriamente. Temos dados de que a água está presente em 70% do planeta, mas apenas 0,3% dos recursos hídricos estão disponíveis para consumo. A água doce é pouca, porém daria muito bem para atender a todos se fosse convenientemente tratada pelos homens. A poluição e o desperdício são fatais e anulam mais e mais os reservatórios. Ao contrário do que se pensa, nem toda a água poluída pode ser recuperada.

- Mas os cachorros não podem fazer nada! – exclamou o Teco.

- Nem outros bichos, Teco. Nenhum de nós tem esse poder! Apenas os humanos podem tomar algum tipo de atitude, mas o que vemos é falarem um tantão e não fazerem nem um tantinho de nada. Saem de suas inúmeras reuniões do mesmo tamanho que entraram. – disse a Tata.

- Sempre ela! Essa Tata realmente é surpreendente, disse a Pipoca.

- É que ela freqüenta todas as reuniões sobre os problemas ecológicos do planeta. É uma cadela atuante, explicou a Tuca.

- Pois é isso mesmo meninos e meninas, explicou tio Chicão. - As autoridades mundiais calculam que uma pessoa deveria usar apenas 50 litros de água por dia, mas aqui no Brasil, por exemplo, as pessoas consomem uma média de 187 litros.

- Tudo isso? Eu bem que falei pra parar com essa história de dar banho na gente! Eu falei! – resmungou a Lua. – Tudo tem limites! É sim! Nunca vi um pão de queijo tomar banho e ...

- Lua! Por favor! Pare de navegar no queijo quente! –explodiu a Chica. – Banho em pão de queijo é demais! Voltemos ao tio Chicão e suas explicações.

- Tá certo! Mas ...

- Menina Lua, tem coisas realmente que podemos fazer para conservar a água, mas o banho, como vimos, é importantíssimo e mantém a saúde. O que podemos fazer é tomar banhos mais rápidos ...

- Isso mesmo! Banhos com um pingo apenas ... gritou a Lua.

- Um pingo! Olha só o tamanho do Pingo! –exclamou a Azeitona. – Essa Lua é sem noção!

- ... desligando o chuveiro enquanto se ensaboa. Uma ducha de oito minutos gasta 24 litros de água. O escovar os dentes e o aparar dos bigodes devem ser feitos com a torneira fechada, usando-se então apenas um copo com água. As caixas de descargas ...

- Peraí tio Chicão! Os cachorros não usam vaso sanitário! Isso não dá! – exclamou a Jujuba.

- Certo, Jujuba. Mas como este blog é lido por humanos também, convém esclarecer tudo, disse tio Chicão.

- Então ... HUMANOS ... PRESTEM ATENÇÃO! – gritou a Jujuba depois de virar seu boné e colocar a aba para trás.

- As caixas de descargas devem ser aquelas que despejam apenas um jato com até seis litros de água para tirar os dejectos ...

- ARGH! Reclamou a Lulu.

- ... a cada acionamento. Lava-roupas e lava-louças devem ser usadas apenas quando estiverem com capacidade máxima. As louças da pia precisam ter os alimentos retirados com papel absorvente que livrarão quase toda a gordura e, por isso, levarão menos detergentes para suas limpezas. Lavar roupa após deixá-las de molho no tanque para que a máquina use o mínimo de água possível. A água do molho e do enxágüe da máquina poderão ser usadas para lavar o chão do quintal. Nada de lavar calçadas. Apenas se varre porque a chuva se encarrega de limpar o pó que sobrou. Não se pode deixar nenhum lixo na rua. Eles devem ser colocados apenas na hora da recolha. Sacos deixados nas ruas acabam sendo carregados pelas águas das chuvas e entopem as galerias de recolha das águas e poluem ainda mais os córregos e os rios.

- Fica uma desgraça! Explicou uma Lulu já refeita de tanta coisa nojenta. – As pessoas precisam se conscientizar que cabe a elas tomar conta do planeta. Os bichos, as plantas e toda a natureza dependem de atitudes assim. Imagine que no apartamento do Bolinho, aquele cachorro amarelo e branco do bloco verde, tem vazamentos há anos. A dona dele diz que é apenas uma gotinha. De gotinha em gotinha ... saiu um rio de lá!

- Certo, menina Lulu. Os vazamentos são vilões silenciosos e

- ... fedidos! – Argh! – disse a Lua imitando a Lulu, mas se escondendo depois do olhar raivoso da mocinha perfumada.

- Temos também o recurso do regador e da mangueira com controle na ponta. As plantas precisam de água, mas não se pode encharcá-las. Ninguém quer matá-las. E o carro pode ficar sem banho por um mês, explicou tio Chicão.

- Aí! Ele pode! Se ele pode, por que euzinha tenho que tomar banho toda semana? Ele anda com aquelas rodas esmagando coisas nojentas, passando por cocos e xixis, amassando barros e pisando em sujeiras. Mesmo assim pode ficar tranquilamente lá, no estacionamento, sem medo de ter que tomar banho. Injustiça! – gritou a Lua. – Eu nunca me sujo e, ao contrário, limpo toda a vasilha da ração. E nem deixo cair uma migalhinha do meu pão de queijo. Nunca. A Tia Cris viu que eu limpo toda a mesa. Ela viu! Viu sim!

Tio Chicão balançou a cabeça. Não tinha jeito. Essa branquinha não desistia de uma idéia nunca. Com certeza iria se esconder no próximo banho. Filhote é assim mesmo. O importante é que todos sabiam o que deviam fazer: manter a saúde do corpo e do planeta.

Marly Spacachieri
Março/2011

domingo, 27 de março de 2011

O SAFARI DO CÃO VELHO - Mais Pão de Queijo Filosófico



A experiência da última conversa com a matilha sobre a fábula dos ratos e do gato rendeu muitos frutos. Porém, tio Chicão não estava satisfeito porque além de uma chuva de idéias para resolver o impasse dos ratinhos, os cachorros rosnaram uns para os outros num entrevero que buscava ganhar no latido. Isso não é bom! Não mesmo. Eles precisam aprender que a vida real é feita de acordos, parcerias e ajustes pessoais, e que não basta apenas falar isso. É preciso colocar em prática. Por esse motivo Tio Chicão estava demorando em montar mais uma rodada de fábulas. Ficou na esperança de que aquele livro aloprado e cheio de ginga voltasse nos seus sonhos mas ... não! Não houve jeito. Pata após pata lá se foi o cachorro grandão rumo à biblioteca da mãe. Não demorou muito e encontrou um livro que lhe chamou a atenção. Mordendo a lombada com cuidado, retirou da estante e o levou ao seu tapete de descanso. Tudo isso muito silenciosamente porque se a menina Lua percebesse... adeus sossego! O velho pastor alemão sentou-se vagarosamente porque suas dores reumáticas atacavam cada dia mais fortemente. Abriu o livro a esmo e deparou-se com uma historinha muito interessante. Leu-a com cuidado, fechou o livro e se pôs a pensar em como poderia conduzir essa nova reunião com a matilha. E ficou parado... pensando ... enquanto a Lua se apercebendo disso foi sorrateiramente por detrás e sussurrou no ouvido dele:

- Tiooooooo. O que é que você está lendooooooooo? Hein? Hein? Posso ver? Posso? Tem figurinhas? Tem pão de queijo? Tem? Hein? ...

- Calma, menina Lua. Vamos com calma. Estou pensando na fábula que acabei de ler e ....

- Pronto. Lá foi ela de novo chamar a encrenca!!! – exclamou a Jujuba, como sempre nervosa.

- Menina Jujuba, falou calmamente Tio Chicão. – A menina Lua apenas tem curiosidades e isso é muito bom para o aprendizado. Só quem pergunta o que não entende aprende de verdade.

- Ser enxerida agora é ser curiosa? – reclamou Jujuba ajeitando o seu boné de aba desenhada com o logotipo dos Taboão Bad Dog’s. Sinistro, como dizia o Pingo.

- Pelos deuses do osso sagrado! Vamos respeitar a fala do Tio Chicão? Vamos? – exclamou a Tuca. – Ele só quer nos ajudar! Sosseguem seus rabos e baixem seus pelos.

- Certo, menina Tuca. Pretendo apenas criar em vocês condições de melhor aproveitarem seus tempos livres.

- Eu sei o que fazer com o meu tempo livre – exclamou a Lua. – Comer pão de queijo e brincar de claclá, além de fazer visitas e mais visitas na casa da Tia Cris e lá encontrar a Tia Eneida. É sim!!! Agora mesmo estou vendo como posso ir visitar o Bim que está acamado debaixo da mesa do computador. Acho que vou levar uns pães de queijo pra comer enquanto trocamos idéias. É sim!

- A diversão faz parte da vida, menina Lua, mas não é tudo. Precisamos usar nosso tempo para tudo. E uma das coisas mais importantes e divertidas da vida é nos colocarmos no lugar de algum outro ser e tentar responder as questões que a vida a ele propôs.

- Como assim? – perguntou o Teco. – Já não basta ter que alisar as minhas cicatrizes vou ter que procurar as dos outros cães? Eu, hein! Nem pensar!!!

- É só de mentirinha, seu tonto – exclamou a Tata. – Nada te afetará fisicamente. Vamos fazer de conta que somos o personagem que o Tio Chicão vai nos apresentar com sua fábula. Estou certa, tio?

- Vixessanta! De onde ela tira tudo isso? – falou baixinho a Tetê.

- Das três patas que ela tem. Fica pululando por aí, pula mais alto que nós e com isso vê mais coisas. Só pode ser isso! – respondeu a Chica. – Ela sempre foi a mais esperta entre todos.

- Tá certo, falou a Tetê. E pensando bem ... era verdade mesmo. A Tata tinha apenas três patas e era a mais agitada de toda a matilha. Pulava o tempo todo, ganhava carinho e aproveitava para saber tudo sobre tudo. Além do mais, foi a primeira a ficar transparente. Tinha experiência de sobra sobre fuçar aqui e ali.

- Todos entenderam? – perguntou Tio Chicão. Cada um de vocês vai pensar como o cachorro da minha fábula. Certo?

- Sim! – responderam todos.

- Vamos lá. Era uma vez uma velhinha ...

- Por que será que sempre tem um velho ou uma velha nas histórias? – perguntou a Jujuba. – Uma coisa qualquer com a terceira idade? Que fixação!

- Sabedoria, sua boboca! Ser velho representa ser experiente, - respondeu a Tila.

- Certo, menina Tila. O velho pode ser bom ou mau, mas sempre viveu mais experiências que o mais jovem.É nisso que nos apoiamos para contar suas histórias. Voltemos a nossa fábula. Era uma vez uma velhinha que partiu para um safari na África ...

- Ah não! África não! Nada de Zambézia aqui! – gritaram todos ao mesmo tempo. Sintomático não?

- Não era na Zambézia! Era no coração da África, nos locais próprios para safari. Certo? – esclareceu Tio Chicão. – E ela levou seu velho cachorro com ela ...

- Pode parar! Pode parar mesmo! Nada disso! Safari já é uma coisa detestável porque caça e mata bichos. Agora, querer levar um cachorro lá, ainda por cima idoso???? Nem pensar, gritou a Lua. - Nenhum Tio Chicão pode ir pra África fazer safari. É perigoso. Não mesmo!

- Menina Lua, muito obrigado pela consideração, mas devo dizer que esse safari apenas faz parte da fábula. Nada mais! Não se leva cachorro de estimação para safaris. –explicou Tio Chicão. E a Lua parecia enlouquecida, com os pelos todos arrepiados e rabo abanando sem parar.

- Mas afinal ... o que é um safari? – perguntou a Azeitona.

- Noooosssaaaaa. Você não sabe o que é um safari? Logo você que tem os tais ancestrais africanos? Meus deuses protetores dos baldes de leite! – gritou a Lua.

- Não sei! Respondeu a Azeitona.

- Trata-se de uma expedição de caça feita principalmente na selva africana– explicou a Sasha, arrancando suspiros do Pingo.

- Como ela é branquinha e sabida! – exclamou o amareludo.

- Certo, menina Sasha. É isso mesmo. Mas o nosso safari aqui não aconteceu de verdade. É apenas uma suposição. Nada mais! Certo?

- Tá certo, Tio. Vamos em frente! – falou a Pipoca enquanto acalmava a Lua passando a pata em sua cabeça. Ela sabia como relaxar a branquinha.

- Pois bem. A velha senhora levou seu cachorro para um safari na África e ele foi caçar borboletas ...

- Agora isso! Cachorro caçando borboletas a troco de quê, santos deuses – exclamou a Jujuba.

- ... e se perdeu – falou Tio Chicão que ignorou o comentário da pretinha crítica. – De repente se viu no meio da selva onde viu um jovem leopardo caminhando em sua direção.

- Danou-se! – gritou o Teco – Leopardo é um gatão terrível.

- Certo, menino Teco. – Mas o nosso amigo canino olhou ao redor e viu muitos ossos espalhados. Já havia acontecido uma chacina ali.

- Ai e ai – exclamou uma Lulu toda apavorada. – Imagine o estado do pelo do pobre coitado que foi comido! Espalhado pelo chão. E que chão era aquele? Todo sujo. E fedia, com certeza! Argh!

- Lulu! – exclamou a Tetê – Acalme-se e ouça.

- Pois bem. O nosso amigo canino ao ver os ossos no chão e o leopardo de aproximando, fez de conta que não tinha medo, sentou-se no meio deles e sem dar atenção a fera que se aproximava começou a roer os ossos. E o fez com vontade. O leopardo ficou olhando, mas não desistiu do bote. No momento em que se preparava para atacar, o cão idoso suspirou e disse:
- Este leopardo estava delicioso. Será que têm outros por aí? – falando mais alto.

O leopardo suspendeu o ataque e saiu de fininho. A cena foi assistida por um macaquinho que pensando em tirar vantagens para si resolveu contar a verdade ao leopardo.

- Senhor leopardo – falou o macaco. – Em troca de sua proteção posso lhe contar a verdade sobre o cachorro que viu agora.

O leopardo se interessou ...

- Macaquinho dos infernos! – exclamou a Lua. – Onde já se viu ser um falso assim? Eu ....

- Menina Lua, disse Tio Chicão. – Deixe suas considerações para o fim da fábula!

- Sim senhor. Sim senhor! Mas o-de-io gente falsa! Bicho falso, nem se fala! – resmungou a branquinha. Macaquinho notinha de três reais, de pelo sintético e que colhe banana de plástico. HUNF!

Tio Chicão continuou.
- O leopardo se interessou pelas falas do macaco. Ao saber que o cachorro fingira ter abatido um leopardo, voltou correndo com o macaco nas costas para mostrar a ele como era forte e destemido. Ao longe o cachorro idoso percebeu a reviravolta na situação e imediatamente colocou-se de costas para o atacante que vinha ao seu encalço. Ao sentir sua presença ... porque cachorro tem faro apurado, ainda que seja idoso (e Tio Chicão falava por si)... desatou a pensar alto: - Cadê aquele macaco safado? – Será que demora em buscar outro leopardo para mim? O leopardo, ao ouvir isso, saiu correndo deixando o macaco cair ao chão.

- E então, crianças caninas? O que cada um tem a me dizer? – inqueriu Tio Chicão.

- Macaco besta! – exclamou a Lua. – Macaco que merecia cair numa casca de banana e se esborrachar no chão!

- Bom ... começou a falar a Tuca. – Essa história mostra que os cachorros são espertos.

- Mas não apenas isso, - exclamou a Chica.

- E o que a senhora Chica viu? Perguntou Tio Chicão.

- Que o cachorro sabia agir com sabedoria, colocando sua experiência a frente do seu medo, respondeu a idosa cadelinha.

- Nooosssaaaa, Chica – exclamou a Pipoca. – Que coisa bonita você falou!

- E tem mais, falou a Tata. – Depois de muito viver, um cachorro adquire experiências, da mesma forma que os humanos idosos também o fazem.

- É mesmo! -exclamou a Tetê. – A gente vai ficando mais esperta a cada ano que passa. Perde a agilidade, às vezes até mesmo a visão e a audição, mas a experiência fica sempre. Por isso o cachorro idoso é tão importante na vida do mundo.

- Ah! Mas todos os idosos são importantes, tia Tetê – exclamou a Lua. – O que seria de nós, filhotes, sem os ensinamentos dos mais velhos? Íamos cair nas falsidades dos macacos!

- Alto lá! Isso é que não! – reclamou a Jujuba. – Euzinha taco mordidas no macaco safado ...

- Calma menina Jujuba – falou Tio Chicão, sem conseguir conter o riso. Era realmente hilário ver aquela cadelinha tão pequena, rosnando e mostrando metade da bochecha levantada, e olhando furiosa por debaixo do boné com a aba virada. E ela mordia mesmo.

- Mamãe disse que ouviu a monja dela dizer que quando um jovem morre, morre um livro; quando morre um velho, morre uma biblioteca. – falou o Pingo. – É isso?

- Certíssimo, menino Pingo. – Alguém quer acrescentar alguma coisa?

- Sim senhor, disse a Sasha. – A minha mamãe me ensinou a ser respeitosa com os mais velhos, inclusive os papagaios ...

- Mas até com os macacos X9? – falou o Kousky.

- Que diabos é esse chisnove? – perguntou a Lua

- Um delator, Lua – explicou a Azeitona.

- Todos os mais velhos merecem respeito, falou Tio Chicão. Mas, devo acrescentar que os seres fazem seus caminhos e recebem ao final deles o que plantaram. Se forem bons, deverão ser respeitados; se forem maus ...

- MORDIDAS NELES! – gritou a Jujuba.

- .... receberão, da maioria dos demais, apenas a exclusão e desprezo.

- Triste, não? – falou a Lua. – Por isso é que eu sou boazinha! Adoro todo mundo e todo mundo me adora, não é? Não é? Hein? Hein?

Era melhor concordar porque ela já estava armando o maior berreiro.

- SIM. É SIM! – todos exclamaram. Mas era verdade mesmo. Aquela branquinha gostava de todos. Não importava se recebia um rosnado. Se afastava e esperava para mais tarde se aproximar e tentar ganhar um carinho. Se não conseguia, virava de barriga pra cima e fazia gracinhas até conseguir atenção. Sempre cedia seu claclá para os outros brincarem. Limpava as orelhas da Pipoca e lambia o focinho da Chica numa demonstração de grande carinho.

Tio Chicão percebeu que todos entenderam a fábula. O mais importante era que essa matilha compreendeu que a experiência é mais importante que a artimanha, comparando o leopardo jovem com o cachorro velho. E que de nada vale ser esperto se não se tem caráter, como é o caso do macaco da história. - E também, ponderou o velho pastor alemão, que os humanos são realmente incoerentes porque ficam buscando ensinar pelas histórias que criam, mas que não aceitam executar durante suas próprias vidas. Assim filosofava o tio mais velho da matilha quando foi arrancado dos pensamentos pelos gritos da menina Lua.

- Obaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa. Chegou o correio canino com a caixa de pães de queijo quentinhos que as tias Cris e Eneida mandaram. Obaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Tio Chicão nem tentou argumentar acerca da impropriedade desse alimento porque quando deu por si ... comia um enooorme pão de queijo. A experiência de tempos idos dizia que ele teria problemas estomacais mais tarde. Mas, o que se leva da vida além de momentos de felicidade? A menina Lua comendo pães de queijo quentinhos, oferecendo os demais para a matilha, abanando o rabo toda feliz valia o futuro mal estar. E lá estava ela separando alguns deles para levar ao Bim. Menina Lua é a alma da matilha.

Março/2011
Marly Spacachieri

domingo, 6 de março de 2011

O CARNAVAL DA LUA


Unidos do Pão de Queijo entrando na passarela!!!!


Ei você aí... me dá um pão de queijo aí....
Ô abre alas que o pão de queijo quer passar ....
O teu pão de queijo não nega mulata, porque ele é dourado na cor....
Tava jogando sinuca quando um pão de queijo maluco me apareceu ...
Atravessamos o deserto do Saara, o pão de queijo estava quente e queimou a nossa língua ...
Você pensa que pão de queijo é biscoito, pão de queijo não é biscoito não ...
Olha o pão de queijo do Zezé, será que ele é? Será que ele é? ....
Oh pão de queijo porque estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? ....
Mamãe eu quero. Mamãe eu quero. Mamãe eu quero um pão de queijo...

- Nada disso! exclamou a Lua. - Não tá bom! Acho que preciso de umas aulinhas de música.

- Por que isso, Lua? – perguntou a Pipoca.

A branquinha estava há dias cantarolando pelos cantos, tentando fazer rimas. Ninguém entendia nada. Isso era preocupante porque ela não estava reclamando da falta das aulas que o tio Chicão ficou de dar. Justamente ela que não perdia um recreio! Muito grave!

- Nada não! Estou apenas procurando a música ideal – respondeu a filhote.

- Ai e ai. Ideal pra quê, Lua? – perguntou uma temerosa Azeitona, já antevendo peraltices.

- Pro meu bloco de carnaval, ué? – respondeu a Lua.

- Minha nossa! – exclamou o Pingo lá de longe. – Imagino o que virá depois disso!

- Ué? O que tem de errado na Lua querer fazer um bloco de carnaval? – perguntou a Tetê. – Carnaval é alegria e isso é muito bom.

- Isso é verdade – falou a Lulu. – O pelo da gente fica macio e brilhante.

- Mas a pergunta que não quer calar ... – falou a Chica – é onde será a apresentação desse bloco. Será aqui em casa? No meio dos livros da Zambézia? Entre as partituras das músicas do Tom Jobim e do Edu Lobo? Tenho a impressão que não vai ser uma coisa auspiciosa.

- Claro que vai ser aqui – respondeu uma Lua indignada. – Mas antes estou procurando um canil italiano para nos ajudar e dar o tal do patrocínio: Unidos do Pão de Queijo vai sair genteeeeee.

- Canil italiano? Santos ossos! – perguntou a Tata. – O que tem a ver o mastim napolitano com o carnaval?

- Ué! Simples e econômico, falou a branquinha. – Vejam vocês: os mastins devem comer macarrões com queijo porque eles são italianos, certo? Aí podemos pegar os macarrões talharins e emendar uns nos outros até ter um monte de serpentinas. Depois é só recortarmos o queijo em rodinhas pequeninas para fazer de confete.

- Essa foi brava – exclamou a Tuca. – De onde ela tirou isso? Onde já se viu emendar macarrão e picotar queijos? E os mastins comem mesmo macarrão? Não acredito nisso!

- Por que? O que tem de errado? Assim podemos cantar uma Marcha do Pão de Queijo, pular um bocado, jogar serpentinas macarrônicas e confetes queijudos uns nos outros e depois da festa é só comer que tudo fica limpinho, - explicou a Lua. – Pode ser aqui na sala sim!

- Não é que faz sentido? – falou o Kousky.

- Também acho – disse a Lulu. – A gente nem se suja e nem tem essa possibilidade de melecar a pata. Parece bom! E eu poderei me fantasiar de odalisca canina, lindíssima. O papai não precisará limpar nada. Poderemos pegar aquelas luvas amarelas que ele usa e encher de ar e enfeitar as paredes.

- Pelos ossos sagrados – exclamou a Sasha. – Acho que não vamos conseguir engolir tanto macarrão e nem tanto queijo. Além disso, quem disse que as nossas mamães vão deixar?

- Isso é. E tem mais – interferiu a Chica – como fazer contato com canil de cães mastins napolitanos pra entregar toda essa comida? Como vamos pagar tudo isso? Onde vamos encontrar um monte de fantasias de cachorros mesmo que seja de humanos? Não vai dar certo. Parece aquela fábula dos ratos com o gato. A idéia até pode parecer boa mas ....

- Isso é verdade, falou a Lua. Acho que não temos como pagar, mas se não temos o canil podemos pegar o queijo na despensa da mamãe. Teremos os confetes. As fantasias podem ser qualquer coisa que imaginemos. O que vale é a folia e ...

- Nem pensar, menina Lua. Nem pensar! – disse um Tio Chicão sonolento, mas assustado com o que ouvia. Imagine o que é o barulho de quase sessenta patas batendo no chão e dezenas de focinhos fazendo auuuuuuu. Nem pensar! Eles é que seriam despachados pra Zambézia na caixa da guitarra do papai. É sim! Além disso, que história era essa de roubar macarrão da despensa?

- Por que, tio Chicão, perguntou uma chorosa Lua. – O que tem de errado em se divertir?

- Nada de errado na diversão, menina Lua. Ao contrário, diversão faz parte da saúde de todos os seres. Mas carnaval não é festa pra cachorros, explicou Tio Chicão ao mesmo tempo em que pensava como seria interessante uma festa como aquela inventada pela menina Lua. Tinha que reconhecer que seria algo bom. Não se podia fomentar a fuzarca, as peraltices, muito menos os roubos às despensas, mas também cortar a imaginação e a chance de exercitar a fantasia era pior ainda. Pensando nisso chamou todas as patas e focinhos presentes e mandou mensagens pros invisíveis também aparecerem. O Bim chegou atrasado porque estava na sessão de acupuntura e isso o tornava lerdo e sonolento. Mesmo assim ... falou barulho ... chamou-se o Bim. Ele tinha conhecimento de causa porque era o mascote da Unidos da Academia.

- Meninos e meninas – falou tio Chicão. – Pensando na idéia da menina Lua resolvi que vamos fazer um carnaval aqui em casa.

- Obaaaaaaaa – foi um latido coletivo.

- Mas ...

- Lá vem as regrinhas chatas – exclamou a Jujuba. – Sempre tem as regrinhas chatas!

- ... vamos fazer um carnaval canino.

- E o que é um carnaval canino? – perguntou o Pingo que já se antecipava e pensava como perfuraria seu edredom para abrir dois buracos por onde pudesse olhar e sair fantasiado de fantasma do frio.

- Vamos imaginar fantasias e contar para os demais – explicou tio Chicão.

- Mas podemos cantar? – perguntou a Azeitona. Ela se considerava uma autêntica cantora de voz negra, de apelo e pelo irresistível.

- Podemos cantar sim – falou tio Chicão, um tanto quanto incomodado com a idéia daqueles uivos chamarem a atenção de todo o condomínio. Poderia gerar problemas mas ... era carnaval. E cá entre eles ... os humanos andavam cantando cada porcaria .... ora bolas!

- E a gente vai só imaginar? Nem um confete de queijo ou uma serpentina de macarrão? – choramingou a Lua.

- Isso não, menina Lua. Só podemos comer ração! – mais uma vez explicou tio Chicão.

- Tá certo! – concordou a Lua, muito rapidamente ... o que causou espanto dos demais.

- Aí tem coisa! Falou o Teco para a Chica.

- Ela vai aprontar! Falou o Pingo para a Sasha.

- Espere que lá vem coisa! – Falou a Lulu para o Kousky.

- Seus bobões! Falou a Lua para todos. – Nada disso. Vamos nos sentar e usar a imaginação como propôs o tio Chicão.

Surpreendendo todo mundo, a branquinha se ajeitou em cima da sua almofada e se colocou na escuta como uma boa aluna. Surpreendeu ainda mais quando respondeu a primeira pergunta do tio Chicão sobre as origens do Carnaval.
- Trata-se de uma festa que remonta aos anos antes da era cristã, lá no Egito antigo com os cultos a deusa Ísis. Quase sempre as festas se referiam aos finais das colheitas e as pessoas pintavam os rostos, bebiam e dançavam – explicou uma Lua muito séria, de orelhas em pé.

- Continue menina Lua – falou um maravilhado tio Chicão. – Continue sim!

- Bom, talvez o carnaval seja uma das festas pagãs de Roma onde ocorriam as orgias ...

- O que é orgia? – perguntou o Teco.

- Orgia é libertinagem, explicou a Sasha.

- Piorou! O que é libertinagem? – perguntou o Pingo.

- Meninos e meninas, orgia é uma festa onde há desordem, onde não há controle dos atos. E ...

- Todo mundo pega o pão de queijo do outro? – perguntou a Lua

- Mais ou menos isso, menina Lua. – Trata-se de uma festa sem controles onde as coisas mais perigosas podem acontecer.

- Sei! Roubos dos pães de queijo! Hum! Que perigo!

- Então não é uma coisa boa? – questionou a Tila

- Não, menina Tila. Trata-se de uma festa exagerada, com bebidas em excesso e violências.

- Credo! Que porcaria! E se o carnaval é isso ... não quero mais – exclamou a Chica.

- Não! Não! A menina Lua está apenas mostrando as possibilidades de onde podem ter surgido as idéias que levaram ao nosso carnaval, o dos dias de hoje. Continue menina Lua e pode pular o pedaço da orgia.

- Certíssimo. Então, com a era cristã a Igreja Católica tentou acabar com essas festas pagãs. A Quaresma é um período de festas que se inicia no Natal e que termina na quarta-feira de cinzas.

- Puxa! Que carnaval comprido! – exclamou o Teco.

- Não é o carnaval, Teco, prosseguiu a Lua. - É o final da Quaresma. No último dia antes do término, ou seja, na terça-feira os cristãos podiam comer carne. Por isso era conhecida como Terça-Feira Tuca...

- Como é que é? Eu não tenho nada a ver com isso – gritou a Tuca.

- O que eu quis dizer é que era a Terça-Feira Gorda, e como você é ...

- .... Menina Lua! Pare com isso! – reclamou tio Chicão. – Retome sua apresentação com seriedade e respeito!

- Sim senhor! Noooossa! Ele ficou bravo! Todos os pelos ficaram levantados! Auuuuuuu – choramingou a branquinha, no mesmo tempo em que se ajeitava melhor. – Continuando, a terça feira gorda era muito comemorada já que era o fim da Quaresma e daí pode ter vindo a idéia do Carnaval.

- Certo, menina Lua. Mas não foi apenas isso que caracterizou o Carnaval. Temos outros elementos que foram se acumulando ao longo dos tempos. No período medieval os festejos eram com jogos e disfarces, brigas com confetes e desfiles de carros alegóricos. Nas eras posteriores já apareceram novos elementos como os bailes de máscaras. Nos meados do século XVIII a comédia italiana deu três personagens seus para os festejos carnavalescos: o pierrô, a colombina e o arlequim. O Pierrô era uma figura ingênua, romântica e sentimental ...

- ... como o Pingo? – exclamou a Lua.

- ... e era apaixonado pela Colombina ...

- Como a Sasha? Branquinha e de cabelos enrolados? – continuou a branquinha e sem receber atenção do tio Chicão.

- ... que era uma caricatura das criadas de quarto, sedutoras e volúveis – continuou expondo tio Chicão ao perceber os rosnados da Sasha para a Lua. Houve necessidade de intervenção.

- Meninas brancas! Vamos parar com isso ou suspendo a brincadeira!

- Tio Chicão! Foi a Lua quem começou e ...

- Não fui não! Eu só achei que se o Pingo é o Pierrô, a Sasha tem que ser a Colombina porque senão não combina! Ih! Rimou! – exclamou a filhote.

- Chega de comparações. Vamos nos deter nas informações, caso contrário nada dará certo neste nosso carnaval, - falou Tio Chicão. – O que acontece é que a Colombina também namora o Arlequim que é um palhaço inimigo do Pierrô.

- Vixessanta! Um triângulo amoroso! – exclamou a Tila. – Onde isso irá parar?

- No Bloco do Pão de Queijo – gritou a Lua. – E chega de explicações, tio Chicão. Queremos cair na folia. Hoje é o nosso primeiro dia de Carnaval. Deixe mais aulas pros próximos dias.

- Tá certo, menina Lua. Vamos então pensar em nossas fantasias. A da menina seria o quê?

- Um imenso pão de queijo de orelhas pontudas e rabinho abanando – falou a Lua.

- Eu serei um cachorro fantasma debaixo do meu edredom – explicou o Pingo.

- Eu vou usar uma máscara lindíssima, falou a Lulu.

- Vou colocar minha coleira de pedrinhas pontiagudas e serei uma verdadeira punkdog – falou a Jujuba.

E aos poucos todos foram colocando suas imaginações para funcionar. Cada um escolheu uma forma de brincar esse carnaval dos animais. Imaginavam, explicavam, fechavam os olhos e viam a fantasia surgir. E começaram a comemorar cantando cantigas de roda que todos conheciam. Assim foi até que a campainha tocou. Ao abrir a porta, papai recebeu uma pizza colorida com pimentões verdes, tomates vermelhos e milhos amarelos, coberta com mussarela e salsinha verde, azeitonas pretas e cebolas brancas. Foi o fim do carnaval e o começo do ritual de cercar a mesa, abanar os rabos e esperar pedacinhos de cada coisa.

Mas a Lua ainda tinha uma pergunta:

- Tio Chicão, por que tudo sempre acaba em pizza? Hein? Até meu carnaval acabou assim! Hunf! Vou contar tudo pra tia Cris e pra tia Eneida.

Não houve como não rir.

Contudo, ela não desistiu! A branquinha tentava separar os milhos para fazer seus confetes. Podia acabar em pizza, mas era uma meio carnaval, meio mussarela.

Obaaaaaaaaaaaaaaaa.

Marly Spacachieri
Março de 2011.