domingo, 27 de fevereiro de 2011

OS RATOS E O GATO - Conversas no Pão de Queijo Filosófico



Tio Chicão acordou com rosnados ao seu lado. Era a Lua sonhando! E rosnava, mexia as patinhas, franzia o focinho ... tudo dormindo. Quando cachorro começa a ter sonhos agitados é porque está na hora de acordar, abanar as orelhas e o rabo. E foi exatamente isso que Tio Chicão pensou ao fazer o chamado geral!

- Atenção meninos e meninas! Visíveis e invisíveis! – latiu o grandão. – Vamos fazer a roda canina pra ouvir a fábula dos ratos e do gato!

- Como é que é? – exclamaram Lua e Lulu ao mesmo tempo! – Ratos e gato? Que história é essa? – continuou o duo canino.

- Calma, calma, meninas. Vamos deixar o tio Chicão latir, disse o Pingo. Mas que aquela história de ratos e gatos arrepiava os pelos ... arrepiava sim. Mas ele não podia demonstrar medo porque a Sasha estava olhando. Não mesmo!
- Meninos e meninas. No tempo em que os animais falavam com os humanos ...

- Peraí! Os animais ainda falam com os humanos! Eles é que não entendem – exclamou a Tata.

- Ai e ai – exclamou mansamente a Tuca. - Vamos deixar o tio falar, depois a gente fala.

- Certo, senhorita Tuca, disse tio Chicão. Voltemos a nossa fábula. No tempo em que os animais falavam com os humanos houve uma aldeia onde os ratos viviam com medo do gato.

- Mas tio Chicão! Todo rato tem medo de gato! Falou o Teco. – Aqui ou lááá China, o gato chinês mete medo até no rato africano . E ... – mas parou de falar quando viu o olhar fulminante da Tuca.

- Bom, esses ratos viviam aterrorizados porque o gato vivia perseguindo-os. Para tanto fizeram uma convocação para uma reunião e ...

- .... levaram muitos pães de queijo, deram pro gato, ele ficou feliz e deixou eles em paz? – perguntou a Lua.

- LUA! Gritou a Pipoca. - Deixe o tio contar a fábula!

- Tá bom. Tá bom. – reclamou a branquinha. – Mas que ia resolver ... isso ia.

Tio Chicão continuou.
- Convocada a reunião, todos os ratos apareceram e rapidamente puseram a falar suas idéias. Depois de muito burburinho chegaram a conclusão que o melhor seria saber quando o gato estivesse se aproximando para então se esconderem. Para isso era preciso colocar um sino no pescoço dele. O som do badalo iria alertá-los. E se alegraram muito com essa idéia. Também concluíram que eram muito espertos. Eram sim! A festa era total exceto por um ratinho idoso ....

- Lá vem a terceira idade atacando! – falou baixinho a Jujuba pro Kousky.

- ... que pediu a palavra. Achava o plano formidável, mas queria saber quem é que iria amarrar o sino no pescoço do gato. Nesse momento fez-se um silêncio digno de uma queijaria na calada da noite. Todos tinham motivos para não ir. E tantas foram as desculpas que não sobrou ninguém que se aventurasse a arriscar seus pelos. Fim da história.

- Como assim? Fim? Sem resolver o problema? Deixando as coisas pela metade? Não pode! Reclamou o Pingo. – Nada disso.

- Menino Pingo, me diga o que você faria no lugar dos ratos?

- Nem imagino! De rato eu só entendo de queijo. Adooooro queijos. Todos os queijos, principalmente os da tia Lorena. Mas, de rato ... não sei nada. E além disso, gatos têm medo de cachorros! – disse o Pingo.

- Não, menino Pingo. Não é isso. Estou falando para você colocar-se no lugar do rato e me dizer o que faria, explicou tio Chicão.

- Tá louco! Rato é um bicho do mal, tem doenças, pulgas e ...

- É fedido, exclamou a Lulu, já fazendo cara de nojo. – O Pingo tem razão! Não dá pra pensar como rato. Somos cachorros, lindos caninos! Perfumados!

- Nada disso! Os ratos são legais sim. A tia Rosa tem um tanto deles. E eu conheci o Mauritz, uma bolinha ratuda lindíssima, toda fofinha, falou a Pipoca.

- Não entendo nada de ratos, exclamou o Pingo. – Muito menos sei quem é esse tal Morritis ... Sei apenas que rato nasce pelado.

- Tadinho. E ninguém põe roupa nele? Fica assim ... no frio ... pode resfriar! – choramingou a Tata, sempre preocupada com a saúde alheia.

- A Tia Rosa cuida deles. Eles têm casinha e brinquedos ... continuou a Pipoca - e até mesmo médico veterinário. São fofinhos sim! Vocês é que são desinformados!

Mas a Lua pulava e pulava porque queria falar.
-Tá certo. Tá certo. O Mauritz é fofinho e quentinho. Todo bicho é lindíssimo. Mas ... voltemos a história do tio Chicão.

- E então menina Lua? – perguntou tio Chicão.

- Eu sei o que os parentes do Mauritz devem fazer, disse a Lua. – Como eu disse no começo, o melhor seria darem pães de queijo pro gato e ele ficaria feliz e deixaria todo mundo em paz.

- Como é que os ratos iriam fazer pães de queijo pro gato? Qual seria o tamanho desse pão? – questionou tio Chicão. – E, além disso, quem garante para a menina que esse gato comeria pão de queijo? Os gatos gostam de peixes!

- Pão de peixe com queijo dentro? Pão de queijo com peixe dentro? Coisas assim? – perguntou a Lua.

- A menina consegue imaginar um bando de ratinhos pescando um peixe? Questionou tio Chicão.

- Não mesmo! Peixe é bicho escorregadio e saracoteia pra todos os lados, pensou alto a branquinha. – Além do mais tem que usar minhocas pra pegá-lo. AUUUUU. Tenho pavor de minhocas!!!!

- Eu pediria para a minha mamãe fazer uma torta com sardinha dentro e daria pro gato. Pronto! – arriscou a Sasha.

- Mas menina Sasha, onde as mamães-ratas iriam arranjar os ingredientes para fazer a torta? E quanto tempo o gato demoraria pra comê-la?

- Que tal a tia Rosa pedir pro tio Diogo fazer umas chipas de queijo? – sugeriu a Pipoca.

- Muitas quantas? Precisaria ser centenas. Coitado do tio! – falou a Azeitona.

- E se todos os ratos esquentassem o queijo e fizessem fios com ele, poderiam montar uma armadilha pro gato ... falou o Teco.

- ... que comeria tudo num segundo! Arre! Cada idéia de jerico! – gritou a Jujuba, toda nervosa com seu boné de aba para trás.

- Quem iria acender o fogo? Onde tem fogão pra rato cozinhar? – perguntou o Teco

- Não dá certo! O rato é muito pequeno pra enfrentar tudo isso. Seria preciso um batalhão deles pra apenas tentar assustar o gato. O melhor seria mesmo mudar de casa, ponderou a Tata.

- Mas em todas as casas tem um gato! – explicou a Tuca.

- Não mesmo! Aqui não tem! – exclamou a Azeitona.

- Mas tem a gente, ué! E não vamos deixar rato algum entrar pela casa e saracotear seu rabinho por aí – falou o Pingo. Só se for os da tia Rosa.

- Lá na USP tem ratos do campo, falou o Bim. – Não sei o que eles comem ... preciso investigar! Será que são eles quem roubam as comidas da geladeira da copa onde mamãe guarda a marmita? Nossa! Será que é por isso que os queijos somem? Tia Lorena precisa ficar atenta.

- Meninos e meninas! Não se desviem do assunto. Quero saber qual a saída pros ratos não caírem nas garras do gato, disse tio Chicão.

- Não sei! Sei lá. Quem sabe? – foram exclamações vindas de todos os lugares.

- Então vocês já têm a resposta! Disse tio Chicão.

- Como assim? Temos a resposta e não sabemos qual é ela? Que quer dizer isso? – exclamou a Pipoca.

- Simples, disse a Chica. – Não temos a solução e por isso a questão está solucionada. Não se tem o que fazer!

- Perfeito, senhora Chica, exclamou tio Chicão. – É isso mesmo. Não tem resposta. É isso!

- Mas peraí, reclamou a Lua. Que coisa besta é essa? História que não tem solução? Não pode! Esse negócio de fábulas é muito chato. Pra que serve uma história que não tem fim?

- Também acho chata, reclamou a Azeitona.

- Não é não, exclamou a Tata. Eu gostei.

- Eu também – disse Lulu enquanto alisava o pelo.

- Meninos e meninas. A moral da história é de que é fácil falar-se de projetos, de se construir soluções no ar e que na prática se mostram inviáveis. Foi isso: inventar a solução é uma coisa, fazer é outra.

- Entendi, tio Chicão, exclamou a Lua. – É como a gente pensar em fazer pães de queijo e não ter queijo. É isso? Ou então não ter forno?

- Mais ou menos, menina Lua. – Próximo a isso! Temos que planejar as nossas ações contando com as nossas limitações, fazendo o que nos é possível. Ficar imaginando soluções mágicas, vindas do ar, do nada, apenas nos leva a frustrações.

- O que é frus-tra-ção? – perguntou Tetê.

- É o mesmo que ficar sem obter os resultados que se esperava. Entendeu? – explicou a Sasha olhando de soslaio pro Pingo. – Mas continue tio Chicão.

- Certo, menina Sasha. Porém, não fazer nada e apenas se lamentar também não nos leva a lugar algum. Mas tem outro ensinamento que vocês tiraram desta fábula e de quem gostaria que falassem: o de trabalharem em conjunto. Tudo fica mais fácil se as pessoas pensarem juntas, se associarem e trocarem experiências. Todos aprendem.

- Isso é uma verdade, falou Jujuba.

- Agindo juntos chegam à melhor solução, explicou tio Chicão. – E todos ganham! Não importa quem teve a maior ou a menor idéia porque todo o grupo saiu vencedor, mesmo que não se tenha conseguido chegar a um final feliz.

- É isso aí! Exclamou a Lua. Mas agora eu tenho uma dúvida.

- Qual menina Lua? – questionou tio Chicão.

- Vou ter que dividir o meu pão de queijo com essa tal associação pensante? Não mesmo! Não vou! Não tem esse negócio de que “todos ganham” com os meus pães de queijo que eu trouxe da casa da Tia Cris. Ela deu eles apenas pra euzinha!

- Menina Lua! Nada de pão de queijo! Apenas ração! – falou tio Chicão.

Mas era tarde demais. A Lua nem ouviu. Saiu correndo para sua caixa de dormir onde se escondeu. Todos podiam perceber o seu focinho se mexendo embaixo do edredom. Nhac, nhac.

- Essa menina Lua! Com certeza vai dar trabalho! – exclamou tio Chicão ao mesmo tempo em que se punha a pensar na próxima fábula que usaria para o Pão de Queijo Filosófico do dia seguinte.

Marly Spacachieri
Fevereiro/2011

domingo, 20 de fevereiro de 2011

PÃO DE QUEIJO FILOSÓFICO DO TIO CHICÃO - O INÍCIO DE TUDO




Uma saudade do Chester da Tia Eneida.

Chegou o Natal e os presentes vieram com ele. A matilha delirou com os pacotes: a Chica ganhou uma almofada fofa, a Pipoca um lindo pote vermelho, o Pingo um novo edredom, a Jujuba uma coleira de pedrinhas coloridas, a Azeitona uma caixa de dormir, a Lua ganhou um colarzinho com pingente em formato de pão de queijo, mas que brilha. Tio Chicão ganhou um novo tapete felpudo. Os transparentes ganharam coisas leves e perfumadas. Todos usaram seus presentes imediatamente e nem deram atenção pros fogos que os humanos ainda insistem em soltar. Bom, para ser verdadeira com esta narrativa tenho que considerar que a Lua questionou acerca desses fogos de artifício. E quis saber o que quer dizer “artifício”. Pipoca tentou explicar mas ...
- Bom, artifício é algo que .... bem .... não sei explicar, disse a Pipoca.
- Pois é, - retrucou a branquinha – ninguém gosta de minhas aulinhas mas ... saber mesmo .... ninguém!
- Alto lá! – disse o Pingo. – Tio Chicão sempre sabe de tudo.
- Não é bem assim, menino Pingo. Ninguém sabe tudo, ponderou Tio Chicão. - Nessa dúvida sobre a palavra artifício, por exemplo, trata-se de algo que pode ser interpretado de diferentes maneiras. Pode ser uma forma artificial, fingida, de se produzir os fogos. Mas pode ser entendida também como uma habilidade em manejar esses mesmos fogos.
- Quer dizer que é uma maneira malandrinha de enganar os olhos da gente? – perguntou a Pipoca.
- De certa forma é sim! Porém, serve para demonstrar comemorações – respondeu tio Chicão. - Mas a menina Lua tem razão. Estou percebendo que o menino e as meninas carecem de maiores conhecimentos acerca das coisas.
- Ah! Não mesmo! – reclamou a Jujuba com sua coleira de pedrinhas. – Vamos combinar que todo cachorro nasce sabendo tudo o que precisa saber!
- Não! Não! Menina Jujuba se engana. O saber sempre é necessário, em todas as ocasiões tem serventia. – falou Tio Chicão.
- Mas para que saber quem descobriu o Brasil ou qual o nome do presidente do país? – questionou o Pingo. – Cachorro não vota!
- Menino Pingo, vamos conversar sobre isso. Não confunda saber responder sobre fatos e nomes com conhecimentos. É muito mais importante saber o porquê se descobriu as terras que hoje se referem ao Brasil do que saber o nome dos primeiros visitantes. Saber o partido político do presidente do país pode ajudar a entender melhor o governo que se está tendo, as coligações políticas, os próximos fatos e coisas assim – falou Tio Chicão.
- Mas pra um cachorro? É preciso saber tudo isso para que? perguntou a Pipoca. – Eu gostaria mesmo é de conhecer o cachorro do presidente! Quer dizer ... da presidenta ... se é que ela tem um, e saber qual é a opinião da dona dele sobre abandonar animais pelas ruas.
- Do jeito que as coisas andam por aqui, logo vamos ter que saber coisas de Veterinária – reclamou a Tetê. Justamente ela que sempre fora a enfermeira de todos! Preocupante!
-Pois é – exclamou a Lua. – E tem o tal horário de verão, o plebiscito para mudar o nome do município de Embu das Artes, o paredão do BBB, a fila do seguro-desemprego que está cada vez mais comprida, a Zambézia, os juros do cheque especial, a campanha salarial dos funcionários da USP ...
- CHEGA, LUA – exclamaram todos os cães ao mesmo tempo, fazendo com que a branquinha se escondesse atrás do armário.
Tio Chicão ponderou que realmente essas eram questões para cabeças de humanos, mas os cachorros precisavam também ter com o que se preocupar, além dos ossos, dos passeios, dos enfeites e das comidas. Humanos não acreditam que os animais podem pensar acerca das coisas que eles, humanos, deliberam. Ingênuos, esses humanos! Porém, ainda era cedo e o sono de antes do almoço chegou de mansinho pegando todas as patas e focinhos. Tio Chicão sonhou com um livro falante.
- Acorde, Senhor Chicão! Sou eu, o livro falante de filosofia.
- Mas o que acontece agora? – falou um sonolento Tio Chicão. – Quem fala comigo?
- Sou eu, senhor. O livro que lhe dará todas as perguntas e criará ambiente para as respostas, disse a voz rouca de um volume encadernado em capa dura com gravações em dourado e fitinha vermelha para marcar as páginas. Bem antigo mesmo! Tinha até uma traça mumificada presa na lombada. O ar ficou com cheiro de naftalina.
- Mas que respostas, caro livro? Não tenho nada pra perguntar! – ponderou Tio Chicão.
- Como então não foi o senhor quem reclamou que os cachorros estão muito preguiçosos, não estão se empenhando em discussões filosóficas e ...
- Nada disso! Quem foi que falou em preguiça e filosofia? Está maluco? – reclamou Tio Chicão. Os meninos estão precisando se ocupar de algumas outras coisas que não sejam apenas seus brinquedos porque acabam sempre se mordendo, rosnando e criando cizânias. E isso não é auspicioso. A Jujuba sempre sai machucada. Mas daí querer um debate filosófico canino ... não mesmo! A menina Lua já tem idéias demais! Não invente coisas! Ela deixa a Tia Cris preocupadíssima.
- Bom, eu pensei em lhe ajudar porque sou um livro de filosofia, mas ... em sendo assim ... melhor que seja outro. Tenha um bom sonho, senhor! – e saiu do sono do Tio Chicão da mesma maneira que havia entrado: do nada!
Nem mesmo havia ressonado um tantinho e outro livro entrou no sonho do Tio Chicão. Agora era um livro bem jovem, com aspecto moderno – digamos ... arrojado. Capa colorida e cheia de desenho, encadernação simples. Se tivesse como ... mascaria um chicletes.
- Olá, velho Chico – disse o livro jovem.
- Como é que é? - “Velho Chico”? - Como assim? – reclamou Tio Chicão, ainda zonzo pelo sono. – Só me faltava isso! Será que se trata de alucinação? Eu bem que desconfiei dos remédios novos que estou tomando! Aquela história de arejamento cerebral não está muito bem explicada! A menina Tetê tem razão em se preocupar com os avanços da Medicina Veterinária.
- Tá certo! Tá certo! É Tio Chicão, não é? – falou o livro moderninho. – É que o classicão me mandou falar com o senhor, - explicou.
- Quem é o classicão? Eu não conheço nenhum cachorro com esse nome. – disse Tio Chicão.
- É um livro, brother! Livro clássico, sacou?
- Santos ossos sagrados! Exclamou Tio Chicão. – O que mais me falta acontecer?
- O seguinte, cara: vou deixar algumas das minhas folhas aí pro tio ler e depois usar pra ajudar a matilha a pensar. Sou um livro jovem, moderno, mas nem por isso fujo do objetivo de instruir, alegrar e ajudar,- falou o exemplar colorido. E sumiu.
Tio Chicão caiu num sono profundo onde muitas folhas escritas passaram diante de seus olhos e tomaram formas e cores. Tudo isso entrou pelo seu cérebro – agora arejado – e começou a fazer sentido. Era mesmo uma forma estupenda de ajudar aos peludos a se portarem melhor, principalmente enquanto os pais humanos não estavam. Ao acordar já tinha delineado uma forma de conduzir esse novo aprendizado. Estava aberta a temporada das histórias para a matilha. Esperou que todos acordassem e viessem para a sala. Não demorou muito e todos estavam em volta do Tio Chicão.
- Menino e meninas, vamos ter reuniões diárias para conversar ... – começou o Tio Chicão.
- Lá vem palavrório, resmungou a Jujuba.
- Calada! – reclamou a Tila – Quando o Tio Chicão late a gente nem rosna baixinho!
- ... e quero que todos vocês compareçam e participem!
- Mas Tio Chicão, a gente não quer mais ir pra escola. A Lua já deu aulas demais e ... disse o Pingo.
- Não é escola, menino Pingo. É apenas um contar histórias, respondeu Tio Chicão. – E vamos ver o que cada um acha, se gosta, se acha errada, chata, ou outra opinião ...
- E vamos falar de pães de queijo? Perguntou a Lua.
- Menina Lua, creio que não há histórias acerca de pães de queijo, mas poderemos comer algumas comidas caninas no intervalo entre as conversas, disse Tio Chicão.
- Topo! Fechado! – gritou Azeitona.
- Todos aceitam? – perguntou Tio Chicão.
E um coro de “sim” foi dito, mesmo que alguns mais devagar que outros. A Lua insistiu em proclamar que estava fundado o Pão de Queijo Filosófico do Tio Chicão para caninos de todas as idades. Tio Chicão complementou que seria um momento onde, desde então, ele apresentaria uma historinha garimpada na literatura mundial, de todos os tempos, e que levaria pra cada focinho dar seus palpites.
- Obaaaaaaa – gritou a Lua, já arranjando sua lancheira pra colocar seus pães de queijo. – Vou chamar todos, inclusive os invisíveis. Eles devem ver o que a gente não consegue e podem ajudar. – Ah! E tem cachorro novo na matilha: é a Sasha, da tia Paquinha. Ela é uma poodle na pata virada, latidora das boas e que dorme como o Pingo, de barriga pra cima. Vou pedir pra ela trazer os pães de queijo da mãe dela. Obaaaaaaaa.
- Muito bem pensado, menina Lua! Muito bem pensado! ponderou Tio Chicão.
E a alegria da branquinha foi tomando conta de todos. Em breve a sala transformou-se num alvoroço só, todos procurando suas almofadas, arranjando seus lanchinhos e puxando as vasilhas com água para perto da turma. A roda foi ficando grande e Tio Chicão fez a chamada:
- Azeitona
- Bim
- Chiquinha
- Jujuba
- Kousky
- Lua
- Lulu
- Pingo
- Pipoca
- Sasha
- Tata
- Teco
- Tetê
- Tila
- Tuca
Um sonoro coro de latidos representou o “presente”. Quatorze rabinhos abanando, alguns resmungos e rosnadinhos e em pouco tempo estava feita a roda do Pão de Queijo Filosófico do Tio Chicão.
- Pois bem, meninos e meninas! Vamos começar nossa reunião de hoje. Vou começar contando uma fábula ...
- Mas o que é fálula, tio Chicão? – perguntou a Lua.
- Não é fálula, sua tonta – disse a Azeitona. – É fábula!
- E o que é fábula? Retrucou a branquinha.
- Sei lá! – resmungou Azeitona.
- Pois é! Euzinha, quando não sei ... pergunto e não me meto a besta como certas cadelas magrelas e pernudas e ....
- Quietas, meninas! – falou tio Chicão. – Nada de brigas! Fábula é uma pequena história com objetivo de mostrar um comportamento de onde se pode tirar exemplos do que se deve e do que não se deve fazer.
- Coisa besta! – reclamou a Jujuba.
- Contudo, continuou tio Chicão sem se importar com os resmungos da pretinha ranzinza – a característica maior é que essas histórias são, em sua maioria, protagonizadas por animais.
- O que é pro-ta-go-ni-za-da? –perguntou Pingo espichando o focinho pra Sacha e querendo parecer um galã. Ela tinha pelos enroladíssimos. - Ai e ai, suspirou o amarelão.
- Vivida, – explicou o Bim.
- Isso mesmo, menino Bim – falou tio Chicão. – As fábulas são vividas por animais que têm comportamento de humanos. É uma forma encontrada de mostrar as coisas boas e as coisas más que os humanos fazem.
- E usam os bichos pra isso? – reclamou a Tuca. – Gente é coisa complicada mesmo!
- É sim, menina Tuca, mas vale a pena começarmos a historinha. Vocês vão gostar.
- E depois podemos comer nossos lanches, né? – gritou a Lua.
- Não sei como ela não engorda! - exclamou a Pipoca.
- Mais tarde. Mais tarde – suspirou tio Chicão. Aquela branquinha só pensava em comer! Precisava mesmo de distração porque caso contrário iria se transformar numa gorda almofada canina! - Vamos começar com as fábulas do Esopo.
- Alto lá! Quem é esse cara? – perguntou a Tila.
- É um lendário autor grego que teria vivido na Antiguidade e a quem se dá a paternidade das fábulas – explicou Kousky.
-Noooossa. De onde ele tira isso tudo, exclamou o Pingo. – Nem tem uma cartola de mágico!
-Dos livros da tia Cris, ora bolas – falou a Tata.
- Mas o que quer dizer pa-ter-ni-da-de? Perguntou o Teco.
- É aquele que gerou. O pai, – falou a Sasha, bem baixinho porque ainda estava tímida. Na casa dela também havia livros, ora!
- Ai e ai – suspirou o Pingo para a poodle. Aquele focinho era lindíssimo mesmo.
- Muito bem menina Sasha – falou tio Chicão. – Isso mesmo! Trata-se do inventor das fábulas. Mas isso pode ser apenas mais uma das infinitas explicações dadas pelos homens para as coisas que ele não sabe de onde vieram. Também não importa quem inventou as fábulas, pois o importante é que elas chegaram até os nossos dias e nos ajudam a entender o bem e o mal.
- Então vamos a elas, tio Chicão – gritou a Lua.
- Pois bem. Eu vou contar a historinha e depois que eu acabar vocês falam o que acharam, certo?
- Certo – latiu ao mesmo tempo aquela matilha.
Mas ... sempre tem um mas!!! nesse momento ouviram a chave sendo rodada na fechadura. Era o papai que chegava pra por ordem na bagunça que eles fizeram durante a manhã toda. E também era a hora do almoço. Tio Chicão achou melhor começar a sua exposição depois de todos comerem. E quando cachorro come ... dorme! Melhor esperar para depois da soneca. Ele mesmo estava cansado. A última coisa que fez foi marcar a página de onde tirara a primeira fábula: Os ratos e o gato. – Xi! Acho que a menina Lua não vai gostar! Ela não tem simpatias por ratos porque eles comem os queijos que fazem os pães. - Mas ... fábulas são fábulas, pensou tio Chicão antes de colocar seu focinhão na vasilha de ração e comer tudo. Pouco depois era uma soneca coletiva. Melhor esperar, não é?
MARLY SPACACHIERI
fev/2011