domingo, 27 de março de 2011

O SAFARI DO CÃO VELHO - Mais Pão de Queijo Filosófico



A experiência da última conversa com a matilha sobre a fábula dos ratos e do gato rendeu muitos frutos. Porém, tio Chicão não estava satisfeito porque além de uma chuva de idéias para resolver o impasse dos ratinhos, os cachorros rosnaram uns para os outros num entrevero que buscava ganhar no latido. Isso não é bom! Não mesmo. Eles precisam aprender que a vida real é feita de acordos, parcerias e ajustes pessoais, e que não basta apenas falar isso. É preciso colocar em prática. Por esse motivo Tio Chicão estava demorando em montar mais uma rodada de fábulas. Ficou na esperança de que aquele livro aloprado e cheio de ginga voltasse nos seus sonhos mas ... não! Não houve jeito. Pata após pata lá se foi o cachorro grandão rumo à biblioteca da mãe. Não demorou muito e encontrou um livro que lhe chamou a atenção. Mordendo a lombada com cuidado, retirou da estante e o levou ao seu tapete de descanso. Tudo isso muito silenciosamente porque se a menina Lua percebesse... adeus sossego! O velho pastor alemão sentou-se vagarosamente porque suas dores reumáticas atacavam cada dia mais fortemente. Abriu o livro a esmo e deparou-se com uma historinha muito interessante. Leu-a com cuidado, fechou o livro e se pôs a pensar em como poderia conduzir essa nova reunião com a matilha. E ficou parado... pensando ... enquanto a Lua se apercebendo disso foi sorrateiramente por detrás e sussurrou no ouvido dele:

- Tiooooooo. O que é que você está lendooooooooo? Hein? Hein? Posso ver? Posso? Tem figurinhas? Tem pão de queijo? Tem? Hein? ...

- Calma, menina Lua. Vamos com calma. Estou pensando na fábula que acabei de ler e ....

- Pronto. Lá foi ela de novo chamar a encrenca!!! – exclamou a Jujuba, como sempre nervosa.

- Menina Jujuba, falou calmamente Tio Chicão. – A menina Lua apenas tem curiosidades e isso é muito bom para o aprendizado. Só quem pergunta o que não entende aprende de verdade.

- Ser enxerida agora é ser curiosa? – reclamou Jujuba ajeitando o seu boné de aba desenhada com o logotipo dos Taboão Bad Dog’s. Sinistro, como dizia o Pingo.

- Pelos deuses do osso sagrado! Vamos respeitar a fala do Tio Chicão? Vamos? – exclamou a Tuca. – Ele só quer nos ajudar! Sosseguem seus rabos e baixem seus pelos.

- Certo, menina Tuca. Pretendo apenas criar em vocês condições de melhor aproveitarem seus tempos livres.

- Eu sei o que fazer com o meu tempo livre – exclamou a Lua. – Comer pão de queijo e brincar de claclá, além de fazer visitas e mais visitas na casa da Tia Cris e lá encontrar a Tia Eneida. É sim!!! Agora mesmo estou vendo como posso ir visitar o Bim que está acamado debaixo da mesa do computador. Acho que vou levar uns pães de queijo pra comer enquanto trocamos idéias. É sim!

- A diversão faz parte da vida, menina Lua, mas não é tudo. Precisamos usar nosso tempo para tudo. E uma das coisas mais importantes e divertidas da vida é nos colocarmos no lugar de algum outro ser e tentar responder as questões que a vida a ele propôs.

- Como assim? – perguntou o Teco. – Já não basta ter que alisar as minhas cicatrizes vou ter que procurar as dos outros cães? Eu, hein! Nem pensar!!!

- É só de mentirinha, seu tonto – exclamou a Tata. – Nada te afetará fisicamente. Vamos fazer de conta que somos o personagem que o Tio Chicão vai nos apresentar com sua fábula. Estou certa, tio?

- Vixessanta! De onde ela tira tudo isso? – falou baixinho a Tetê.

- Das três patas que ela tem. Fica pululando por aí, pula mais alto que nós e com isso vê mais coisas. Só pode ser isso! – respondeu a Chica. – Ela sempre foi a mais esperta entre todos.

- Tá certo, falou a Tetê. E pensando bem ... era verdade mesmo. A Tata tinha apenas três patas e era a mais agitada de toda a matilha. Pulava o tempo todo, ganhava carinho e aproveitava para saber tudo sobre tudo. Além do mais, foi a primeira a ficar transparente. Tinha experiência de sobra sobre fuçar aqui e ali.

- Todos entenderam? – perguntou Tio Chicão. Cada um de vocês vai pensar como o cachorro da minha fábula. Certo?

- Sim! – responderam todos.

- Vamos lá. Era uma vez uma velhinha ...

- Por que será que sempre tem um velho ou uma velha nas histórias? – perguntou a Jujuba. – Uma coisa qualquer com a terceira idade? Que fixação!

- Sabedoria, sua boboca! Ser velho representa ser experiente, - respondeu a Tila.

- Certo, menina Tila. O velho pode ser bom ou mau, mas sempre viveu mais experiências que o mais jovem.É nisso que nos apoiamos para contar suas histórias. Voltemos a nossa fábula. Era uma vez uma velhinha que partiu para um safari na África ...

- Ah não! África não! Nada de Zambézia aqui! – gritaram todos ao mesmo tempo. Sintomático não?

- Não era na Zambézia! Era no coração da África, nos locais próprios para safari. Certo? – esclareceu Tio Chicão. – E ela levou seu velho cachorro com ela ...

- Pode parar! Pode parar mesmo! Nada disso! Safari já é uma coisa detestável porque caça e mata bichos. Agora, querer levar um cachorro lá, ainda por cima idoso???? Nem pensar, gritou a Lua. - Nenhum Tio Chicão pode ir pra África fazer safari. É perigoso. Não mesmo!

- Menina Lua, muito obrigado pela consideração, mas devo dizer que esse safari apenas faz parte da fábula. Nada mais! Não se leva cachorro de estimação para safaris. –explicou Tio Chicão. E a Lua parecia enlouquecida, com os pelos todos arrepiados e rabo abanando sem parar.

- Mas afinal ... o que é um safari? – perguntou a Azeitona.

- Noooosssaaaaa. Você não sabe o que é um safari? Logo você que tem os tais ancestrais africanos? Meus deuses protetores dos baldes de leite! – gritou a Lua.

- Não sei! Respondeu a Azeitona.

- Trata-se de uma expedição de caça feita principalmente na selva africana– explicou a Sasha, arrancando suspiros do Pingo.

- Como ela é branquinha e sabida! – exclamou o amareludo.

- Certo, menina Sasha. É isso mesmo. Mas o nosso safari aqui não aconteceu de verdade. É apenas uma suposição. Nada mais! Certo?

- Tá certo, Tio. Vamos em frente! – falou a Pipoca enquanto acalmava a Lua passando a pata em sua cabeça. Ela sabia como relaxar a branquinha.

- Pois bem. A velha senhora levou seu cachorro para um safari na África e ele foi caçar borboletas ...

- Agora isso! Cachorro caçando borboletas a troco de quê, santos deuses – exclamou a Jujuba.

- ... e se perdeu – falou Tio Chicão que ignorou o comentário da pretinha crítica. – De repente se viu no meio da selva onde viu um jovem leopardo caminhando em sua direção.

- Danou-se! – gritou o Teco – Leopardo é um gatão terrível.

- Certo, menino Teco. – Mas o nosso amigo canino olhou ao redor e viu muitos ossos espalhados. Já havia acontecido uma chacina ali.

- Ai e ai – exclamou uma Lulu toda apavorada. – Imagine o estado do pelo do pobre coitado que foi comido! Espalhado pelo chão. E que chão era aquele? Todo sujo. E fedia, com certeza! Argh!

- Lulu! – exclamou a Tetê – Acalme-se e ouça.

- Pois bem. O nosso amigo canino ao ver os ossos no chão e o leopardo de aproximando, fez de conta que não tinha medo, sentou-se no meio deles e sem dar atenção a fera que se aproximava começou a roer os ossos. E o fez com vontade. O leopardo ficou olhando, mas não desistiu do bote. No momento em que se preparava para atacar, o cão idoso suspirou e disse:
- Este leopardo estava delicioso. Será que têm outros por aí? – falando mais alto.

O leopardo suspendeu o ataque e saiu de fininho. A cena foi assistida por um macaquinho que pensando em tirar vantagens para si resolveu contar a verdade ao leopardo.

- Senhor leopardo – falou o macaco. – Em troca de sua proteção posso lhe contar a verdade sobre o cachorro que viu agora.

O leopardo se interessou ...

- Macaquinho dos infernos! – exclamou a Lua. – Onde já se viu ser um falso assim? Eu ....

- Menina Lua, disse Tio Chicão. – Deixe suas considerações para o fim da fábula!

- Sim senhor. Sim senhor! Mas o-de-io gente falsa! Bicho falso, nem se fala! – resmungou a branquinha. Macaquinho notinha de três reais, de pelo sintético e que colhe banana de plástico. HUNF!

Tio Chicão continuou.
- O leopardo se interessou pelas falas do macaco. Ao saber que o cachorro fingira ter abatido um leopardo, voltou correndo com o macaco nas costas para mostrar a ele como era forte e destemido. Ao longe o cachorro idoso percebeu a reviravolta na situação e imediatamente colocou-se de costas para o atacante que vinha ao seu encalço. Ao sentir sua presença ... porque cachorro tem faro apurado, ainda que seja idoso (e Tio Chicão falava por si)... desatou a pensar alto: - Cadê aquele macaco safado? – Será que demora em buscar outro leopardo para mim? O leopardo, ao ouvir isso, saiu correndo deixando o macaco cair ao chão.

- E então, crianças caninas? O que cada um tem a me dizer? – inqueriu Tio Chicão.

- Macaco besta! – exclamou a Lua. – Macaco que merecia cair numa casca de banana e se esborrachar no chão!

- Bom ... começou a falar a Tuca. – Essa história mostra que os cachorros são espertos.

- Mas não apenas isso, - exclamou a Chica.

- E o que a senhora Chica viu? Perguntou Tio Chicão.

- Que o cachorro sabia agir com sabedoria, colocando sua experiência a frente do seu medo, respondeu a idosa cadelinha.

- Nooosssaaaa, Chica – exclamou a Pipoca. – Que coisa bonita você falou!

- E tem mais, falou a Tata. – Depois de muito viver, um cachorro adquire experiências, da mesma forma que os humanos idosos também o fazem.

- É mesmo! -exclamou a Tetê. – A gente vai ficando mais esperta a cada ano que passa. Perde a agilidade, às vezes até mesmo a visão e a audição, mas a experiência fica sempre. Por isso o cachorro idoso é tão importante na vida do mundo.

- Ah! Mas todos os idosos são importantes, tia Tetê – exclamou a Lua. – O que seria de nós, filhotes, sem os ensinamentos dos mais velhos? Íamos cair nas falsidades dos macacos!

- Alto lá! Isso é que não! – reclamou a Jujuba. – Euzinha taco mordidas no macaco safado ...

- Calma menina Jujuba – falou Tio Chicão, sem conseguir conter o riso. Era realmente hilário ver aquela cadelinha tão pequena, rosnando e mostrando metade da bochecha levantada, e olhando furiosa por debaixo do boné com a aba virada. E ela mordia mesmo.

- Mamãe disse que ouviu a monja dela dizer que quando um jovem morre, morre um livro; quando morre um velho, morre uma biblioteca. – falou o Pingo. – É isso?

- Certíssimo, menino Pingo. – Alguém quer acrescentar alguma coisa?

- Sim senhor, disse a Sasha. – A minha mamãe me ensinou a ser respeitosa com os mais velhos, inclusive os papagaios ...

- Mas até com os macacos X9? – falou o Kousky.

- Que diabos é esse chisnove? – perguntou a Lua

- Um delator, Lua – explicou a Azeitona.

- Todos os mais velhos merecem respeito, falou Tio Chicão. Mas, devo acrescentar que os seres fazem seus caminhos e recebem ao final deles o que plantaram. Se forem bons, deverão ser respeitados; se forem maus ...

- MORDIDAS NELES! – gritou a Jujuba.

- .... receberão, da maioria dos demais, apenas a exclusão e desprezo.

- Triste, não? – falou a Lua. – Por isso é que eu sou boazinha! Adoro todo mundo e todo mundo me adora, não é? Não é? Hein? Hein?

Era melhor concordar porque ela já estava armando o maior berreiro.

- SIM. É SIM! – todos exclamaram. Mas era verdade mesmo. Aquela branquinha gostava de todos. Não importava se recebia um rosnado. Se afastava e esperava para mais tarde se aproximar e tentar ganhar um carinho. Se não conseguia, virava de barriga pra cima e fazia gracinhas até conseguir atenção. Sempre cedia seu claclá para os outros brincarem. Limpava as orelhas da Pipoca e lambia o focinho da Chica numa demonstração de grande carinho.

Tio Chicão percebeu que todos entenderam a fábula. O mais importante era que essa matilha compreendeu que a experiência é mais importante que a artimanha, comparando o leopardo jovem com o cachorro velho. E que de nada vale ser esperto se não se tem caráter, como é o caso do macaco da história. - E também, ponderou o velho pastor alemão, que os humanos são realmente incoerentes porque ficam buscando ensinar pelas histórias que criam, mas que não aceitam executar durante suas próprias vidas. Assim filosofava o tio mais velho da matilha quando foi arrancado dos pensamentos pelos gritos da menina Lua.

- Obaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa. Chegou o correio canino com a caixa de pães de queijo quentinhos que as tias Cris e Eneida mandaram. Obaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Tio Chicão nem tentou argumentar acerca da impropriedade desse alimento porque quando deu por si ... comia um enooorme pão de queijo. A experiência de tempos idos dizia que ele teria problemas estomacais mais tarde. Mas, o que se leva da vida além de momentos de felicidade? A menina Lua comendo pães de queijo quentinhos, oferecendo os demais para a matilha, abanando o rabo toda feliz valia o futuro mal estar. E lá estava ela separando alguns deles para levar ao Bim. Menina Lua é a alma da matilha.

Março/2011
Marly Spacachieri

domingo, 6 de março de 2011

O CARNAVAL DA LUA


Unidos do Pão de Queijo entrando na passarela!!!!


Ei você aí... me dá um pão de queijo aí....
Ô abre alas que o pão de queijo quer passar ....
O teu pão de queijo não nega mulata, porque ele é dourado na cor....
Tava jogando sinuca quando um pão de queijo maluco me apareceu ...
Atravessamos o deserto do Saara, o pão de queijo estava quente e queimou a nossa língua ...
Você pensa que pão de queijo é biscoito, pão de queijo não é biscoito não ...
Olha o pão de queijo do Zezé, será que ele é? Será que ele é? ....
Oh pão de queijo porque estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? ....
Mamãe eu quero. Mamãe eu quero. Mamãe eu quero um pão de queijo...

- Nada disso! exclamou a Lua. - Não tá bom! Acho que preciso de umas aulinhas de música.

- Por que isso, Lua? – perguntou a Pipoca.

A branquinha estava há dias cantarolando pelos cantos, tentando fazer rimas. Ninguém entendia nada. Isso era preocupante porque ela não estava reclamando da falta das aulas que o tio Chicão ficou de dar. Justamente ela que não perdia um recreio! Muito grave!

- Nada não! Estou apenas procurando a música ideal – respondeu a filhote.

- Ai e ai. Ideal pra quê, Lua? – perguntou uma temerosa Azeitona, já antevendo peraltices.

- Pro meu bloco de carnaval, ué? – respondeu a Lua.

- Minha nossa! – exclamou o Pingo lá de longe. – Imagino o que virá depois disso!

- Ué? O que tem de errado na Lua querer fazer um bloco de carnaval? – perguntou a Tetê. – Carnaval é alegria e isso é muito bom.

- Isso é verdade – falou a Lulu. – O pelo da gente fica macio e brilhante.

- Mas a pergunta que não quer calar ... – falou a Chica – é onde será a apresentação desse bloco. Será aqui em casa? No meio dos livros da Zambézia? Entre as partituras das músicas do Tom Jobim e do Edu Lobo? Tenho a impressão que não vai ser uma coisa auspiciosa.

- Claro que vai ser aqui – respondeu uma Lua indignada. – Mas antes estou procurando um canil italiano para nos ajudar e dar o tal do patrocínio: Unidos do Pão de Queijo vai sair genteeeeee.

- Canil italiano? Santos ossos! – perguntou a Tata. – O que tem a ver o mastim napolitano com o carnaval?

- Ué! Simples e econômico, falou a branquinha. – Vejam vocês: os mastins devem comer macarrões com queijo porque eles são italianos, certo? Aí podemos pegar os macarrões talharins e emendar uns nos outros até ter um monte de serpentinas. Depois é só recortarmos o queijo em rodinhas pequeninas para fazer de confete.

- Essa foi brava – exclamou a Tuca. – De onde ela tirou isso? Onde já se viu emendar macarrão e picotar queijos? E os mastins comem mesmo macarrão? Não acredito nisso!

- Por que? O que tem de errado? Assim podemos cantar uma Marcha do Pão de Queijo, pular um bocado, jogar serpentinas macarrônicas e confetes queijudos uns nos outros e depois da festa é só comer que tudo fica limpinho, - explicou a Lua. – Pode ser aqui na sala sim!

- Não é que faz sentido? – falou o Kousky.

- Também acho – disse a Lulu. – A gente nem se suja e nem tem essa possibilidade de melecar a pata. Parece bom! E eu poderei me fantasiar de odalisca canina, lindíssima. O papai não precisará limpar nada. Poderemos pegar aquelas luvas amarelas que ele usa e encher de ar e enfeitar as paredes.

- Pelos ossos sagrados – exclamou a Sasha. – Acho que não vamos conseguir engolir tanto macarrão e nem tanto queijo. Além disso, quem disse que as nossas mamães vão deixar?

- Isso é. E tem mais – interferiu a Chica – como fazer contato com canil de cães mastins napolitanos pra entregar toda essa comida? Como vamos pagar tudo isso? Onde vamos encontrar um monte de fantasias de cachorros mesmo que seja de humanos? Não vai dar certo. Parece aquela fábula dos ratos com o gato. A idéia até pode parecer boa mas ....

- Isso é verdade, falou a Lua. Acho que não temos como pagar, mas se não temos o canil podemos pegar o queijo na despensa da mamãe. Teremos os confetes. As fantasias podem ser qualquer coisa que imaginemos. O que vale é a folia e ...

- Nem pensar, menina Lua. Nem pensar! – disse um Tio Chicão sonolento, mas assustado com o que ouvia. Imagine o que é o barulho de quase sessenta patas batendo no chão e dezenas de focinhos fazendo auuuuuuu. Nem pensar! Eles é que seriam despachados pra Zambézia na caixa da guitarra do papai. É sim! Além disso, que história era essa de roubar macarrão da despensa?

- Por que, tio Chicão, perguntou uma chorosa Lua. – O que tem de errado em se divertir?

- Nada de errado na diversão, menina Lua. Ao contrário, diversão faz parte da saúde de todos os seres. Mas carnaval não é festa pra cachorros, explicou Tio Chicão ao mesmo tempo em que pensava como seria interessante uma festa como aquela inventada pela menina Lua. Tinha que reconhecer que seria algo bom. Não se podia fomentar a fuzarca, as peraltices, muito menos os roubos às despensas, mas também cortar a imaginação e a chance de exercitar a fantasia era pior ainda. Pensando nisso chamou todas as patas e focinhos presentes e mandou mensagens pros invisíveis também aparecerem. O Bim chegou atrasado porque estava na sessão de acupuntura e isso o tornava lerdo e sonolento. Mesmo assim ... falou barulho ... chamou-se o Bim. Ele tinha conhecimento de causa porque era o mascote da Unidos da Academia.

- Meninos e meninas – falou tio Chicão. – Pensando na idéia da menina Lua resolvi que vamos fazer um carnaval aqui em casa.

- Obaaaaaaaa – foi um latido coletivo.

- Mas ...

- Lá vem as regrinhas chatas – exclamou a Jujuba. – Sempre tem as regrinhas chatas!

- ... vamos fazer um carnaval canino.

- E o que é um carnaval canino? – perguntou o Pingo que já se antecipava e pensava como perfuraria seu edredom para abrir dois buracos por onde pudesse olhar e sair fantasiado de fantasma do frio.

- Vamos imaginar fantasias e contar para os demais – explicou tio Chicão.

- Mas podemos cantar? – perguntou a Azeitona. Ela se considerava uma autêntica cantora de voz negra, de apelo e pelo irresistível.

- Podemos cantar sim – falou tio Chicão, um tanto quanto incomodado com a idéia daqueles uivos chamarem a atenção de todo o condomínio. Poderia gerar problemas mas ... era carnaval. E cá entre eles ... os humanos andavam cantando cada porcaria .... ora bolas!

- E a gente vai só imaginar? Nem um confete de queijo ou uma serpentina de macarrão? – choramingou a Lua.

- Isso não, menina Lua. Só podemos comer ração! – mais uma vez explicou tio Chicão.

- Tá certo! – concordou a Lua, muito rapidamente ... o que causou espanto dos demais.

- Aí tem coisa! Falou o Teco para a Chica.

- Ela vai aprontar! Falou o Pingo para a Sasha.

- Espere que lá vem coisa! – Falou a Lulu para o Kousky.

- Seus bobões! Falou a Lua para todos. – Nada disso. Vamos nos sentar e usar a imaginação como propôs o tio Chicão.

Surpreendendo todo mundo, a branquinha se ajeitou em cima da sua almofada e se colocou na escuta como uma boa aluna. Surpreendeu ainda mais quando respondeu a primeira pergunta do tio Chicão sobre as origens do Carnaval.
- Trata-se de uma festa que remonta aos anos antes da era cristã, lá no Egito antigo com os cultos a deusa Ísis. Quase sempre as festas se referiam aos finais das colheitas e as pessoas pintavam os rostos, bebiam e dançavam – explicou uma Lua muito séria, de orelhas em pé.

- Continue menina Lua – falou um maravilhado tio Chicão. – Continue sim!

- Bom, talvez o carnaval seja uma das festas pagãs de Roma onde ocorriam as orgias ...

- O que é orgia? – perguntou o Teco.

- Orgia é libertinagem, explicou a Sasha.

- Piorou! O que é libertinagem? – perguntou o Pingo.

- Meninos e meninas, orgia é uma festa onde há desordem, onde não há controle dos atos. E ...

- Todo mundo pega o pão de queijo do outro? – perguntou a Lua

- Mais ou menos isso, menina Lua. – Trata-se de uma festa sem controles onde as coisas mais perigosas podem acontecer.

- Sei! Roubos dos pães de queijo! Hum! Que perigo!

- Então não é uma coisa boa? – questionou a Tila

- Não, menina Tila. Trata-se de uma festa exagerada, com bebidas em excesso e violências.

- Credo! Que porcaria! E se o carnaval é isso ... não quero mais – exclamou a Chica.

- Não! Não! A menina Lua está apenas mostrando as possibilidades de onde podem ter surgido as idéias que levaram ao nosso carnaval, o dos dias de hoje. Continue menina Lua e pode pular o pedaço da orgia.

- Certíssimo. Então, com a era cristã a Igreja Católica tentou acabar com essas festas pagãs. A Quaresma é um período de festas que se inicia no Natal e que termina na quarta-feira de cinzas.

- Puxa! Que carnaval comprido! – exclamou o Teco.

- Não é o carnaval, Teco, prosseguiu a Lua. - É o final da Quaresma. No último dia antes do término, ou seja, na terça-feira os cristãos podiam comer carne. Por isso era conhecida como Terça-Feira Tuca...

- Como é que é? Eu não tenho nada a ver com isso – gritou a Tuca.

- O que eu quis dizer é que era a Terça-Feira Gorda, e como você é ...

- .... Menina Lua! Pare com isso! – reclamou tio Chicão. – Retome sua apresentação com seriedade e respeito!

- Sim senhor! Noooossa! Ele ficou bravo! Todos os pelos ficaram levantados! Auuuuuuu – choramingou a branquinha, no mesmo tempo em que se ajeitava melhor. – Continuando, a terça feira gorda era muito comemorada já que era o fim da Quaresma e daí pode ter vindo a idéia do Carnaval.

- Certo, menina Lua. Mas não foi apenas isso que caracterizou o Carnaval. Temos outros elementos que foram se acumulando ao longo dos tempos. No período medieval os festejos eram com jogos e disfarces, brigas com confetes e desfiles de carros alegóricos. Nas eras posteriores já apareceram novos elementos como os bailes de máscaras. Nos meados do século XVIII a comédia italiana deu três personagens seus para os festejos carnavalescos: o pierrô, a colombina e o arlequim. O Pierrô era uma figura ingênua, romântica e sentimental ...

- ... como o Pingo? – exclamou a Lua.

- ... e era apaixonado pela Colombina ...

- Como a Sasha? Branquinha e de cabelos enrolados? – continuou a branquinha e sem receber atenção do tio Chicão.

- ... que era uma caricatura das criadas de quarto, sedutoras e volúveis – continuou expondo tio Chicão ao perceber os rosnados da Sasha para a Lua. Houve necessidade de intervenção.

- Meninas brancas! Vamos parar com isso ou suspendo a brincadeira!

- Tio Chicão! Foi a Lua quem começou e ...

- Não fui não! Eu só achei que se o Pingo é o Pierrô, a Sasha tem que ser a Colombina porque senão não combina! Ih! Rimou! – exclamou a filhote.

- Chega de comparações. Vamos nos deter nas informações, caso contrário nada dará certo neste nosso carnaval, - falou Tio Chicão. – O que acontece é que a Colombina também namora o Arlequim que é um palhaço inimigo do Pierrô.

- Vixessanta! Um triângulo amoroso! – exclamou a Tila. – Onde isso irá parar?

- No Bloco do Pão de Queijo – gritou a Lua. – E chega de explicações, tio Chicão. Queremos cair na folia. Hoje é o nosso primeiro dia de Carnaval. Deixe mais aulas pros próximos dias.

- Tá certo, menina Lua. Vamos então pensar em nossas fantasias. A da menina seria o quê?

- Um imenso pão de queijo de orelhas pontudas e rabinho abanando – falou a Lua.

- Eu serei um cachorro fantasma debaixo do meu edredom – explicou o Pingo.

- Eu vou usar uma máscara lindíssima, falou a Lulu.

- Vou colocar minha coleira de pedrinhas pontiagudas e serei uma verdadeira punkdog – falou a Jujuba.

E aos poucos todos foram colocando suas imaginações para funcionar. Cada um escolheu uma forma de brincar esse carnaval dos animais. Imaginavam, explicavam, fechavam os olhos e viam a fantasia surgir. E começaram a comemorar cantando cantigas de roda que todos conheciam. Assim foi até que a campainha tocou. Ao abrir a porta, papai recebeu uma pizza colorida com pimentões verdes, tomates vermelhos e milhos amarelos, coberta com mussarela e salsinha verde, azeitonas pretas e cebolas brancas. Foi o fim do carnaval e o começo do ritual de cercar a mesa, abanar os rabos e esperar pedacinhos de cada coisa.

Mas a Lua ainda tinha uma pergunta:

- Tio Chicão, por que tudo sempre acaba em pizza? Hein? Até meu carnaval acabou assim! Hunf! Vou contar tudo pra tia Cris e pra tia Eneida.

Não houve como não rir.

Contudo, ela não desistiu! A branquinha tentava separar os milhos para fazer seus confetes. Podia acabar em pizza, mas era uma meio carnaval, meio mussarela.

Obaaaaaaaaaaaaaaaa.

Marly Spacachieri
Março de 2011.